Campo Grande-MS
sexta-feira, 13/09/2024

26/09/2023

A VIAMORENA tem o prazer de publicar reportagem do jornalista Sergio Cruz, resultante de pesquisa histórica, abrangendo todas as fases da transição energética em Campo Grande e antiga região Sul de Mato Grosso. O autor acompanha a evolução do sistema de força e luz, desde o incipiente lampião a querosene, no final do século XIX até a chegada da energia hidrelétrica de Jupiá e Mimosoo início da década de 70 do século passado, coroando a luta sem tréguas dos pioneiros. Esta reportagem é uma homenagem ao Centenário da primeira hidrelétrica da Campo Grande, a usina do Ceroula, inaugurada em 1923.

Os lampiões a querosene

 Ao raiar da segunda década do século XX, com uma população beirando mil pessoas, o intendente José Santiago, adquiriu 50 lâmpadas a querosene. É de 1910 a primeira legislação relativa ao sistema de iluminação pública de Campo Grande. Trata-se de uma lei, de iniciativa do vereador Enoque Vieira da Almeida, limitando em 30 o número de lampiões, oferecidos pelo comércio e dispondo de crédito de 500 mil réis para o custeio do serviço. 

Cinco da tarde em ponto, o velho Janjão, iniciava a sua rotina diária. De domingo a domingo, dia santo e feriado, lá ia Joaquim Vieira da Almeida, escada no ombro, lata de querosene na mão, abastecer o  acender  os  poucos lampiões que iluminavam, com sua luz tímida, o centro da vila florescente. 

Durante o dia, seu Janjão, era fiscal da prefeitura. Antes de emancipação, ainda no tempo em que Campo Grande ainda era distrito, chegou a ser farmacêutico, sub-delegado de polícia do distrito e escriba do povoado, tendo sido autor de inúmeras petições em defesa dos poucos habitantes.

Com o tempo, seu Janjão aposentou-se como funcionário burocrático, mas manteve a função de acendedor de lampiões, a qual exerceu até a morte. Logo em seguida ao seu falecimento, mudava também o sistema de iluminação pública da cidade.

Nos tempos da iluminação a querosene, o centro privilegiado pelo serviço correspondia ao setor comercial, concentrado na praça central, que já foi praça Presidente Costa Marques e Imigrantes, no final da atual 26 de Agosto (antiga rua Velha) e início da Barão de Melgaço.

Na praça central estavam estabelecidos o armazém do Sebastião Lima, que atendia a fazendeirama de toda a região e a pensão Bentinho, a mais popular da vila empoeirada. Sebastião Lima, além da bolicheiro era também o banqueiro e chefe político. A pensão Bentinho além de pousada e restaurante, dispunha de currais, onde os compradores de gado guardavam as suas boiadas negociadas aos pecuaristas, até tomar o rumo de Minas, Goiás e São Paulo, destinos mais indicados.

Descrevendo a cidade em 1912, por ocasião da visita do governador Costa Marques ao Sul de Mato Grosso, o advogado Eduardo Olímpio Machado, que viria a ser prefeito do município, mostrou o seu aspecto “interessante e agradável à vista do viajante”.

O seu casario alegre e de feitio moderno, ainda um tanto esparso, surgiu na bifurcação dos córregos “Prosa” e “Segredo” e agora vai-se estendendo em terreno ligeiramente inclinado até o alto de aprazível colina, d’onde descortinam magníficos panoramas.

As ruas e praças que obedecem a um inteligente traçado, são amplas, tendo duas avenidas – uma com 1.200 metros de comprimento por 50 de largura, e a outra de 600 por 28 metros – tudo em via de arborização. A praça principal está sendo ajardinada e será em breve dias um formoso logradouro público.

 Sobre a iluminação pública, Machado informou que “as artérias principais de trânsito são iluminadas com luz de querosene, porém, já está aberta a concorrência para a iluminação elétrica”. (MACHADO, 1914, p 410)

Seu Janjão  acendia a todos os candeeiros em poucas horas. As luzes permaneciam acesas até a queima total do combustível, devidamente dosado pelo velho, para evitar desperdício aos cofres públicos e durar até o clarão do dia.

“Com a morte de Janjão – resume o cronista – Joaquim Boaventura de Almeida passou a exercer a mesma função”, (MACHADO,

2008, p 122) até 1915, com a chegada da energia elétrica. 

Joaquim Vieira de Almeida (Janjão), o primeiro acendedor de lampião a querosene da vila de Campo Grande (Foto: reprodução de Paulo Coelho Machado)

Bolicho do Sebastião Lima, principal casa comercial de Campo Grande e a Pensão Bentinho, os dois maiores estabelecimentos da praça central da cidade, primeiro logradouro beneficiado com a iluminação pública.

A era da eletricidade

As primeiras notícias que se tem sobre a chegada da energia elétrica em Mato Grosso datam de 1895. A novidade desembarcou em Cuiabá e foi recebida com natural rigozijo da população, devidamente registrado pelo principal jornal da capital:

     O poderoso invento de Edson foi pela primeira vez  posto em evidência na capital de Mato Grosso, e não foi sem assombro, aliás muito natural, que grande parte da nossa população o admirou, no que lhe achamos razão, por isso que, além de ser um invento prodigioso e realmente admirável, ainda mais extraordinário devia necessariamente parecer  aos  olhos dos  que apenas conhecem como um grande melhoramento nos diversos sistemas de iluminação a gasolina; sistema que para uma cidade modesta, como a nossa, já era na realidade uma grande novidade, um grande avanço e um melhoramento de inestimável valor. 

O mesmo jornal lamentava o fato da experiência não ter passado de três meses. O proprietário do gerador, instalado na atual praça Alencastro, não conseguiu entender-se com a municipalidade, na questão de custos e a cidade voltou a amargar a paliativa e ineficiente iluminação à base de lampião a querosene. (O REPUBLICANO, 21/11/1895).

A energia elétrica chegaria à capital do Estado somente no final da década de 10, do século passado, tendo sido inaugurada oficialmente em 19 de agosto de 1919, pelo governador D. Aquino Correa, que dá a notícia atualizada, em sua mensagem à Assembleia no ano seguinte:

     Com as instalações hoje existentes nos edifícios públicos e particulares, atingiu-se o limite de carga para a caldeira da usina termoelétrica, e não sendo possível enfraquecer mais a intensidade primitiva da luz, torna-se urgente promover, de acordo com as

cláusulas do respectivo contrato, a montagem da usina no salto do rio da Casca, afim de completar a iluminação pública e satisfazer a numerosas solicitações de particula-
res. 

O governo tem amparado de maneira a mais benévola esta empresa, dada a sua grande importância e as notórias condições locais, que enormemente a dificultam”.

 (CORREIA, 1920, p 109).

Em Campo Grande a novidade  chegou em 1915. Neste ano o município abriu a concorrência para iluminação pública da cidade. A licitação habilitou  a Empresa de Eletricidade A. Veronezzi e Irmãos. No início das operações, o conjunto era movido a gás podre, com 40 hp de potência, para cuja instalação foram contratados técnicos em São Paulo à frente Felicianno Pinheiro.

A usina localizou-se na rua 26 de Agosto. O funcionamento era de 4 horas por dia, das 18 às 22 horas.

“As falhas diárias, cortes, interrupções, panes, a luz era fraca e piscava muito”, mesmo assim – segundo o cronista – “os moradores da época receberam a novidade com muita alegria e orgulho. Era a segunda iluminação elétrica do estado, eis que Corumbá já a possuía”. (MACHADO, 2008, p 122).

A hidrelétrica

Em 1897 era inaugurada nos Estados Unidos a Niágara Falls, primeira hidrelétrica do mundo com sistema de conversão de hidroenergia em energia elétrica. No Brasil, o pioneirismo coube ao empresário Bernardo Mascarenhas, de Juiz de Fora, Minas Gerais. A sua hidrelétrica, batizada como Marmelos, foi instalada no rio Paraibuna, com potência de 4 MW, o que, em 1888, quando entrou em funcionamento, atendia satisfatoriamente, as indústrias têxteis do empresário e fornecia a eletricidade e iluminação pública de Juiz de Fora, antes alimentada a gás. 

Campo Grande, que passou do querosene à energia termelétrica, encontrou na hidreletricidade, uma alternativa para seu sofrível sistema de luz e energia, representado pelo velho locomóvel da rua 26 de Agosto. Na entrada da década de 20, do século passado, com cerca de oito mil habitantes em sua zona urbana, Campo Grande, impulsionado pelo transporte ferroviário, indicava uma tendência de crescimento acima do normal e padecia com a insuficiência de energia mesmo para sua iluminação. A situação era periclitante. O prefeito Arlindo de Andrade Gomes, que por vezes criticou a precariedade do serviço prestado por Antonio Veronezzi e irmãos, era entusiasta da ideia de aproveitamento dos recursos hídricos na geração de força e luz. Em 1922, anunciou para o ano seguinte, a instalação de “grande usina hydro-eléctrica, com uma reserva inicial de 400 H.P. para as indústrias” (GOMES, 1922, p. 77). 

A esta altura um grupo paulista, já iniciava a obra do usina do Ceroula, nos arredores de  Campo Grande. O engenheiro Kerman José Machado, em seu artigo sobre a evolução do sistema de energia elétrica de Campo Grande, dedica um capítulo à novel Companhia Matogrossense de Eletricidade, com sede na capital paulista:

  A CME fez parte de um grupo de pequenas empresas geradoras de energia, organizadas por volta dos anos 20, que incluía a Companhia Geral de Eletricidade e outros serviços locais, na região de Casa Branca e Mococa, no interior do Estado de São Paulo, tendo o engenheiro Cincinato Salles de Abreu, de tradicional família paulista, como seu acionista majoritário. (…)

Após a paralisação do locomóvel Veronese entrou em operação a usina, com cerca de 300 quilowatts (KW), aproveitando uma queda de 70 metros nos aparados da serra na região do Inferninho, próximo à fazenda do Dr. Vespasiano Barbosa Martins, com uma pequena barragem de regularização diária para o 0,7 m²/seg, turbinado pelo conjunto Pelton Voigt/Siemens e um sistema de 11,4 kV com cerca de 15 quilômetros, transmitindo e distribuindo a partir de um prédio da empresa à rua General Rondon, esquina da avenida Calógeras, de onde derivavam os alimentadores e se situavam as balanças de série da iluminação pública de 2,2 kV. (MACHADO, 1999, p 149)

CME, o bom começo

 Na manhã de 13 de abril de 1923, uma pequena multidão lotou a casa de máquinas da usina para prestigiar o ato histórico da inauguração da obra, construída em tempo recorde. Os dirigentes da empresa e convidados, o prefeito Arlindo Gomes todos os vereadores e gente do povo cantaram o Hino Nacional.

Campo Grande acabava de alcançar alto grau de modernidade urbanística e sóbria expectativa de crescimento econômico.

 A imprensa, que cobriu o evento, teve a preocupação de percorrer o espaço que, em pouco tempo, seria pequeno para atender a demanda do progresso que chegou na trilha dos pioneiros e se consolidou nos trilhos da estrada de ferro.

Poucos dias antes da inauguração, a convite da direção da empresa concessionária, a reportagem do Jornal do Comércio esteve no canteiro de obras e deu detalhes sobre o relevante investimento:

 Para darmos aos nossos leitores uma
boa ideia geral do adiantamento dos impor-
tantes serviços que para este fim estão
sendo executados pela Companhia Mato-
grossense de Eletricidade Limitatada, apro-
veitamos a gentileza do convite do ilustrado
e competente advogado da companhia, sr.
dr. Arlindo Lima, para uma visita às grandes
obras que estão sendo ultimadas no ribeirão
Ceroula. Assim, às nove horas de quinta-
feira última, chegávamos no automóvel da
empresa, ao posto em que foram feitos os
serviços de barragem, um trabalho sólido e
perfeito. Desse posto, percorremos a pé o
longo canal que conduz a água da represa
à usina, numa extensão aproximada de um
quilômetro. Nesse canal fez a empresa
construir uma comporta para a descarga da
areia acumulada, verdadeira obra de arte,
elegante e de custo apreciável. Mais adiante
fomos encontrar a caixa d’água que despeja
canalizada, de uma altura de 75 metros, a
água para a enorme turbina, de força de 400
H.P. Há ainda no trecho compreendido da
grande caixa d’água à usina, o plano incli-
nado mandado construir especialmente pa-
ra a condução de materiais. 
 Descemos, por fim ao ribeirão, onde, na
sua margem direita, foi construída a usina
que está recebendo os últimos retoques. Lá
encontramos já assentados todos os apare-
lhos necessários ao seu funcionamento, co-
mo sejam: gerador, turbinas, reguladores
automáticos, transformadores monofásicos
com capacidade de 100 klw cada um, para
2.300 a 11.000; um grande quadro para
transformadores com interruptores para o
gerador, quadros de distribuição com inter-
ruptores automáticos, voltímetros e demais
aparelhos, para-raios, telefone, etc. Vimos
ainda uma grande galeria subterrânea para
a descarga da água das turbinas. 
     A empresa  não  se  descuidou da insta-
lação de seus empregados. Para isso ela
fez construir três confortáveis casas, de es-
tilo moderno, para os encarregados dos ser-
viços da futura usina. 
     Só mesmo através de uma visita como fi-
zemos, poder-se-á avaliar o esforço, a ca-
pacidade de trabalho e o dispêndio da nossa
Companhia de Eletricidade, que, digamos
de passagem, não tem medido sacrifícios
para levar avante o vultoso empreendi-
mento. Para isso, é verdade, que a compa-
nhia conta com verdadeiros abnegados co-
mo o dr. Arlindo Lima, que vem desenvol-
vendo a sua conhecida atividade, providen-
ciando tudo quanto necessário à importante
obra, e um grupo de dedicados auxiliares
como os senhores Constantino Junqueira,
gerente, Feliciano Pinheiro e o eletricista-
chefe Virgílio Polo, da Companhia francana.
     Podemos assegurar, pelo que nos foi
dado ver, que a nossa cidade terá um ser-
viço de luz e força perfeitas, capaz de aten-
der as suas maiores necessidades”.(JOR-
NAL DO COMERCIO,13/04/ 1923)

 
 







 
 
 
 

Turbina da hidrelétrica do Ceroula

CME e os bons tempos

 
 
 

Tendo iniciado suas atividades em Campo Grande, em 1923, a Companhia Matogrossense de Eletricidade, além de estender a rede por toda a cidade, por produzir, inicialmente, energia em excesso, passou a estimular o consumo, incentivando a implantação de indústrias e a utilização de equipamentos domésticos, os quais a própria empresa revendia. A expansão foi surpreendente e a cidade, pela qualidade de vida disponibilizada, a facilidade de emprego e de negócios, criou invejáveis perspectivas para a empresa.

 São de Kerman Machado os seguintes
dados: 

Sem outras referências ou informações, em 1924, a população campo-grandense deveria estar entre oito e dez mil habitantes num mercado elétrico que, além de pequeno, era predominantemente de cargas residenciais, de iluminação e dos primeiros ferros de passar, com baixas demandas matutinas de consumos domésticos e talvez uma de maior porte no pique de iluminação noturna.

As demandas comerciais eram sem cargas de refrigeração e a Circunscrição Militar, antecessora da 9ª. Região Militar caracterizava-se como a maior consumidora à data, com a iluminação dos quartéis.

Cargas maiores, representadas pelas antigas máquinas de beneficiamento de cereais, eram quase todas acionadas por locomóveis, queimando cascas de grãos e fora do consumo suprido pela CME. Exceção era uma máquina de fabricação de gelo, trazida de Corumbá, com seu compressor de amônia, suprido pela rede pública. ( MACHADO, 1999, p 149).

                  O sucesso da iniciativa em Campo
Grande, impulsionou a companhia a expandir
suas atividades para outras praças. Em 1928
passou a explorar o serviço de eletricidade em
Aquidauana e em 1933 adquiriu a Companhia
de Eletricidade de Corumbá, aquisição deci-
dida em assembleia geral da empresa, reali-
zada em Campo Grande, onde, além de assu-
mir a concessão de Corumbá, a CME decidiu
por substancial aumento de capital, “elevado a
10 mil o atual número de ações de valor nomi-
nal de duzentos mil réis cada uma, formando
assim um capital social de dois mil contos de
réis”. Esse aumento de capital deveria ser “apli-
cado em aquisição de novos serviços, torna-se
necessário autorizar o sr. Diretor-gerente a
contrair um empréstimo por debentures, letra
ou outra qualquer modalidade dentro dos limi-
tes fixados por lei para prosseguimento das re-
des de distribuição, aumento de capacidade
das atuais instalações, desenvolvimento da ati-
vidade da companhia dentro deste Estado e se
o empréstimo for conseguido em condições
mais vantajosas, também para resgatar as de-
bêntures já em circulação”. (JORNAL DO CO-
MÉRCIO, 04/11/ 1933). 
                                                                     Os recursos do aumento de capital e os
financiamentos bancários foram investidos em
Corumbá, Aquidauana e em três novas hidrelé-
tricas em Campo Grande, o que assegurou o
“equilíbrio entre geração e consumo, já nos
anos 30 era mantido com a instalação da Usina
Botas 1, na fazenda Anglo, em ligação com
duas unidades Voigt/Siemens usadas e trazi-
das do interior de São Paulo. Uma com 200,
outra de 250 kW, sob queda de 20 metros e va-
zão da ordem de 4,00 m¹/seg do rio Botas”. Se-
gundo, ainda Kerman Machado: 

A única unidade geradora adquirida de fábrica pela CME veio a ser a do Botas 2, conjunto francês de fabricação Letfel/GE que operou continuamente entre 1942 e 1966, quando veio a ser posta em reserva, ou atuando em carga básica no corte das horas de operação a Diesel. 

           A aparente solidez do negócio terminou
atraindo empresários e capitalistas locais, que
adquiriram ações da companhia, entre eles Ma-
noel Secco Thomé, Eduardo Santos Pereira e
Olímpio Machado. Este, que mais tarde seria
prefeito de Campo Grande, chegou a ocupar a
gerência local da empresa. 
            Superada a crise financeira internacio-
nal  de 1929, verificou-se na “virada da década
de 30 – segundo Kerman Machado – grande
incremento populacional à região e sensível
melhora nos padrões socioeconômicos anteri-
ores à crise de 1929”. 
 Surgidos ao longo da década de 30,
“progressivamente melhoraram o fluxo e o vo-
lume dos recursos em circulação na economia
regional, diversificando a aplicação de novos
investimentos. Como consequência houve um
aumento da área residencial já com outros pa-
râmetros de utilização elétrica, como os novos
eletrodomésticos surgidos e acessíveis na área
de refrigeração e calefação, e também no porte
das instalações comerciais e na condição de
apresentação de seus produtos cada vez exi-
gindo maior presença de energia elétrica, inclu-
sive na indústria de beneficiamento”. (MA-
CHADO, 1999, p 150). 
 

O automóvel chegou junto com a energia elétrica

 
Kerman José Machado, diretor da Cemat, testemunha ocular da histó-
ria da energia em Campo Grande e Mato Grosso 
 
 
Eduardo Olimpio Machado, gerente da CEM em Campo Grande e aci-
onista da empresa 

Uma guerra no meio do caminho

 
 

Corumbá, uma concessão mal sucedida

 A segunda guerra mundial (1939-1945)
foi uma pedra no caminho da Companhia Mato-
grossense de Eletricidade. Durante o confronto
internacional, a situação mais dramática ocor-
reu em Corumbá, por causa da escassez de
combustível. As consequências para Campo
Grande vieram a partir do final do conflito, se-
gundo Kerman Machado, para quem a “CME
não deve ter dado a importância devida à sua
área de mercado, não apostando em suas cur-
vas, que passaram a ter inflexões exponencia-
is, não se preparando para resolver por solu-
ções hidrelétricas os acréscimos que se segui-
am à vitalidade econômica da região”. (MA-
CHADO, 1999, p 151). 

O potencial híbrido de Campo Grande, totalmente explorado, não resistia à crescente demanda e, mesmo com o auxílio de grupos geradores, não conseguiu a empresa garantir o fornecimento à cidade, então com cerca 60 mil habitantes.

Para completar o caos, aumentaram os racionamentos em Corumbá, cuja repercussão já alcançava o Estado inteiro no auge da guerra:

“Estamos aqui sob racionamento de energia elétrica, pois sendo a usina local acionada por motores a óleo cru, e não tendo a Companhia Matogrossense de Eletricidade, apesar dos esforços empregados para tal fim, conseguido novos estoques de petróleo, adotando-se rigorosas medidas no sentido de economizar os estoques existentes que são limitadíssimos. O regime atual é de interrupção das 24 horas até as 5 da manhã e das 11 até as 13, mas a perspectiva é de extinção total da luz, assim que se esgotarem as reservas de combustível da Cia. de Luz.

 A população já se prepara para remediar
a situação, lançando mão dos lampiões a
carbureto, como há 50 anos atrás! Mas o
povo está mais apreensivo é com a água
que falhando a energia, não poderá mais ser
distribuída à população. As indústrias locais
vão também ficar paralisadas. Está-se em
alguns casos, procurando remediar a situa-
ção com o gasogênio. As autoridades estão
estudando a possibilidade de trazer petróleo
da Bolivia. Há, como se sabe, grandes re-
servas de petróleo no país vizinho e por pre-
ços irrisórios. Os engenheiros da Comissão
Mista estão trabalhando para esse fim, com
a colaboração das autoridades estaduais e
municipais e o auxílio e boa vontade do Ita-
marati e do Ministério do Exterior da Bolívia.
A situação é grave, mas todos os esforços
são conjugados no sentido de se contornar
as dificuldades existentes. (O ESTADO DE
MATO GROSSO, 08/08/1942). 

Como se não bastassem os impactos da guerra, a companhia viu-se às voltas com percalços fiscais como o aumento do imposto de renda, reajustes salariais e o indeferimento por três anos seguidos de requerimentos de aumento de tarifas. Esta situação teria levado a sua direção, a sugerir a devolução  da concessão:

 Se as Municipalidades ou o Estado
podem proporcionar energia elétrica nas
condições vigorantes até agora, por dis-
porem da faculdade de lançar impostos,
então devem exercer o direito de eman-
cipação, que lhes é assegurado na cláu-
sula décima do contrato acima referido .
(TRIBUNA, CORUMBÁ, 22/02/1949). 
 
 
 

A Companhia e sua lenta agonia

 
 
 
 
 
 

 
 
 

A Companhia Matogrossense de Eletricidade nunca atingiu um nível ideal de satisfação entre seus consumidores. Corumbá, como vimos, sempre foi o foco de maiores insatisfações, mas Campo Grande, mesmo no início de suas atividades, em 1923, não chegou a ser uma cidade plenamente atendida, registrando seguidos protestos, a princípio isolados e, no limiar da última metade do século, generalizados:

 Continua intenso o movimento  nesta ci-
dade contra a escravização a que vem sen-
do submetida a população por parte da
Companhia Matogrossense de Eletricidade,
tendo o governador do Estado telegrafado à
Comissão das Classes Conservadoras indi-
cando o seu representante oficial para as
conversações na Capital Federal, deputado
João Ponce de Arruda. Toda a imprensa lo-
cal colocou-se ao lado do povo, tendo inici-
ado violenta campanha contra a Cia. Mato-
grossense de Eletricidade. (CORREIO DA
MANHÃ, RJ, 25/11/1949). 

A crise que assolava Campo Grande e Corumbá era preocupação também nos grandes centros do país, que se ressentiam do racionamento de energia elétrica. A gravidade do fato levou a Câmara dos Deputados a instituir uma CPI para investigar as causas da ocorrência. Um dos depoentes da comissão parlamentar foi o engenheiro Cincinato Salles de Abreu, diretor da Companhia Matogrossense de Eletricidade:

 Na qualidade de técnico, o senhor Cinci-
nato de Abreu fez uma longa exposição.
Disse que a atual crise de energia elétrica
provém da insuficiência das atuais instala-
ções, agravada com a demora na execução
dos projetos de ampliação. A crise se pro-
cessa de longa data, dirigindo-se os esfor-
ços de todos no sentido de impedir a acen-
tuação do “déficit” que, apesar disso, vai au-
mentando. A essas dificuldades, soma-se a
falta de estatísticas e de dados relativos à
produção e ao consumo, que são maneja-
das privativamente pelas empresas e auto-
ridades controladoras. 

Depois de demonstrar que o Código em vigor não foi empecilho para a triplicação das instalações atribuindo-se a escassez à carência de recursos, criticou a administração pública, que disse, põe a indústria na dependência de uma emperrada burocracia e de uma Divisão de um Departamento de um Ministério, “dirigido, via de regra, por um ministro político, que durante seu breve estágio nem sempre chega a se inteirar de assuntos especializados como esse. Como pode um Conselho ter atribuições técnicas e jurídicas sobre assunto especializado, se seus membros não dispõe de tempo integral para especializarem-se com a matéria a ser resolvida”?

Sob outro aspecto, declarou que o custo histórico constitui um sério embaraço, como base de avaliação dos bens da empresa. A remuneração do capital não deve estar adstrita nos termos do artigo 9º do decreto-lei n. 3,128, de 19-3-41. Além disso, ninguém irá empregar suas economias em empreendimentos em Mato Grosso ou Goiás, quando a faixa de rendimento é a mesma do Rio e de São Paulo.

 Depois de mostrar outros sérios incon-
venientes da atual legislação afirmou que,
para acabar com o racionamento, que tanto
aflige a população das zonas da concessão
da Light e da Bond Share, concentradas
numa área equivalente a 3% do total do
país, é preciso dar meios às 1.500 empre-
sas nacionais de ampliar suas instalações,
a fim de criar disponibilidades que as indu-
zam a estender suas linhas para as localida-
des vizinhas e, sobretudo, para a zona rural.
 O sr. Cincinato de Abreu terminou suas
considerações apresentando à Comissão
um anteprojeto de lei, em que sugere a cria-
ção de uma Comissão Nacional de Energia
Elétrica, composta de cinco membros nome-
ados pelo presidente da República. (COR-
REIO DA MANHÃ, RJ, 28/11/1952) 

A situação agravou-se e as autoridades de Campo Grande decidiram solicitar do presidente da República o fim da concessão à Companhia Matogrossense de Eletricidade. Com efeito, comissão, à frente o governador Fernando Correa da Costa e o prefeito Marcílio de Oliveira Lima, esteve no Rio de Janeiro, em 1955, para audiência com o presidente Café Filho, de quem recebeu a promessa formal de apoio à reivindicação. A esta altura a população de Campo Grande, num movimento espontâneo, já havia subscrito mais de 7 milhões de cruzeiros para auxiliar o governo na encampação da empresa. (CORREIO DA MANHÃ, RJ, 27/03/ 1955).

No auge da pressão contra o racionamento em Campo Grande, a CME ainda tentou uma saída de emergência, descrita por Kerman Machado:

Fiel ao seu princípio operacional de utilizar-se de equipamentos reinstalados, a CME adquiriu um conjunto Diesel de 1.250 kVA, MAN/Wulfel/Siemens composto pela unidade motriz recuperada de um submarino alemão que se rendera no Canadá, ao qual foi acoplada uma caixa multiplicadora 400/1.200 rpm e um gerador de 6,6 kV de saída.

 Sua operação foi uma série de equívo-
cos e quebras frequentes com um problema
de desabamento e desnível entre o motor, a
caixa multiplicadora e o gerador. Sobretudo,
pesavam sensivelmente as dificuldades de
obtenção de peças sobressalentes, já que
se tratava de um motor de projeto militar,
fora da linha comercial da MAN. 

Progressivamente, suas peças entraram em desgaste total e não foi mais possível ultrapassar os 50% de sua potência de placa, não obstante os trabalhos de manutenção realizados todos as madrugadas. (MACHADO, 1999, p 151).

A Comissão de Emancipação

 
 

Marcilio de Oliveira Lima, prefeito e líder da comissão de emancipação

 Em 1955 é criada a comissão de eman-
cipação do sistema, em Campo Grande, à fren-
te o prefeito Marcílio de Oliveira Lima e inte-
grada, entre outros, pelo então governador Fer-
nando Correa da Costa e o empresário Hum-
berto Neder, dirigente da companhia telefônica.
No Rio, a comissão obteve a promessa do pre-
sidente Café Filho, de empenhar-se pela esta-
tização. Em 1956, com a posse de JK, na pre-
sidência da República, as esperanças da Co-
missão foram duplicadas a partir da posse no
governo do Estado de João Ponce de Arruda,
que mostrou-se sensível à causa: 
  A questão da energia elétrica em
 Campo Grande foi estudada nos seus
 vários aspectos havendo o governador
 Ponce de Arruda ouvido atentamente
 longa exposição feita pelos membros da
 Comissão Pró-Emancipação. Foi estu-
 dada a maneira como se conseguir ver-
 bas para a construção da usina de Mi-
 moso; aventou-se a ideia de formação
 de uma sociedade de economia mista
 para gerir a empresa, caso não se pre-
 fira o controle estatal; falou-se na cons-
 trução das centrais elétricas. 
  Por fim, os membros da Comissão
 Pró-Emancipação fizeram sentir ao go-
 vernador Ponce de Arruda o propósito
 de não desistir, sob nenhuma hipótese,
 da ideia esposada sobre a caducidade
 do contrato e a consequente encampa-
 ção dos bens da Companhia Matogros-
 sense de Eletricidade. 
  O governador Ponce de Arruda disse
 claramente e de modo a não deixar dú-
 vidas quanto a sua atuação no caso, que
 está de pleno acordo com o movimento
 iniciado em Campo Grande, e que agora
 no Rio de Janeiro, envidará todos os es-
 forços para que seja imediatamente de-
 cretada a caducidade do contrato e a en-
 campação da Companhia Matogrossen-
 se de Eletricidade. (O ESTADO DE
 MATO GROSSO,14/03/1956). 

Menos de 5 meses, após a reunião com a comissão em Campo Grande, o governador Ponce de Arruda dava o primeiro passo para atender a reivindicação da cidade. Em 4 de agosto de 1956, pela lei 832/56 criou a Cemat- Centrais Elétricas de Mato Grosso S/A. 

Em 5 de dezembro, o presidente Juscelino Kubitscheck assinou o decreto extinguindo a concessão da Companhia Matogrossense de Eletricidade para “fornecimento e energia elétrica ao município de Campo Grande, em Mato Grosso”:

 Os aproveitamentos de energia hidráu-
lica, usinas, redes de transmissão e distri-
buição e demais instalações da Companhia,
necessários à operação e manutenção do
serviço passarão ao controle da Prefeitura
Municipal de Campo Grande, sem prejuízo,
entretanto, de qualquer reparação patrimo-
nial a que, porventura tiver direito a conces-
sionária. A eventual indenização será paga
pela Prefeitura Municipal. 

Ao declarar a caducidade a concessão, observa o decreto, a referida empresa vem faltando, há longo tempo e reincidentemente, conforme comprovado em processo administrativo, às obrigações contraídas, infringindo dispositivos legais e oferecendo péssimo serviço à população. (DIARIO DE

NOTÍCIAS, 06/12/1956)  

 Finalmente, em julho de 1957, a comis-
são que geriu a campanha de emancipação
ocupou as instalações da CME, “num ato que
para uns foi de discutível legalidade e para ou-
tros extremamente apropriado, forçando o go-
vernador João Ponce de Arruda a adquirir o
controle patrimonial da empresa em escritura
lavrada, sob a orientação do Dr. Heitor Medei-
ros e mais tarde transferir essas propriedades
para a Cemat”. (MACHADO, 1999, p 152). 
 
 
Governador Ponce de Arruda e presidente JK, pá cal na concessão
(foto revista Brasil Oeste) 

A crise não caducou

 
 
Prefeito Wilson Martins, à sua direta os empresários Chiquinho Pa-
lhano, Nerone Maiolino e Humberto Neder, comandando a “Campanha
da Vergonha”. (foto: reprodução do livro de memórias de Wilson Mar-
tins 
 A criação da Cemat, a ocupação das ins-
talações da CEM pela população, a transferên-
cia da responsabilidade do serviço para o go-
verno do Estado e as medidas paliativas ado-
tadas para mitigar os prejuízos dos raciona-
mentos recorrentes, não foram suficientes para
conter a insatisfação dos consumidores. 
 O interesse e o desempenho do gover-
nador Ponce de Arruda não foram o bastante
para amenizar a crise energética de Campo
Grande, o que levou à revolta empresários e
moradores da cidade, então com 95.000 habi-
tantes, a intensa mobilização política contra a
persistência dos racionamentos e apagões. 

Encabeçado pelo prefeito Wilson Barbosa Martins e com grande apoio da imprensa, o movimento realizou a marcha dos lampiões e uma greve geral, organizada pela Associação Comercial, que paralisou a cidade na segundafeira, 9 de maio de 1960, ponto culminante do que foi para a História como Campanha da Vergonha. (O ESTADO, 08/05/1960).

Ano eleitoral, 1960, os apagões tiveram um forte sopro político. O mais importante componente eleitoral dessa quadra foi o comício de Jânio Quadros em Campo Grande, cuja passagem foi marcada pelo simbolismo de o candidato oposicionista ser desta cidade. O trecho mais aplaudido de seu discurso referia-se ao mais crucial problema do Estado:

 No governo da República colaborarei
para que a usina de Mimoso seja construída
em tempo rapidíssimo, em ritmo de trabalho
igual ao de Brasília. Uma das condições es-
senciais para a colonização – necessidade
impostergável de Mato Grosso – é a existên-
cia de energia elétrica abundante e barata.
Por coincidência, nesta data de aniversário
de Campo Grande, estão sendo inaugura-
das nas barrancas do rio Paraná as obras
de Urubupungá. Elas representarão a abso-
luta independência em matéria de energia
desta região do Centro-Sul, de Goiás, do
Triângulo Mineiro, do Oeste paulista e do
Noroeste paranaense. E a usina de Urubu-
pungá, por coincidência também está situ-
ada no lado mato-grossense do rio Paraná.
Ela já se converte em realidade. (DIARIO
DE NOTÍCIAS, 28/08/1960) 
 
 
Imprensa nacional cobre visita de Jânio a Campo Grande e futuro pre-
sidente promete investir em Mimoso e Urubupungá 
 
 

1957, chegada da telefonia aumenta a demanda de energia  

Mimoso, reação tardia

 
Hidrelétrica de Mimoso, em construção, depois da estatização (foto O
Cruzeiro) 

A CME não cedeu às pressões iniciais e antes da caducidade formal, ainda tentou amenizá-las, com  o aproveitamento da energia hidráulica do salto Mimoso, no município de Ribas do Rio Pardo, desengavetando um projeto antigo, do qual participou o então estudante de engenharia elétrica, Kerman José Machado:

 Em 1946, os engenheiros Durval de Sal-
les Fragnani e Cândido Rondón, equipe da
qual fui estagiário, realizaram estudos topo-
gráficos e hidrológicos na região do Salto do
Mimoso no rio Pardo, prevendo uma usina
da ordem de 10 mil kW, porém, não levaram
avante o projeto. (MACHADO, 1999, p 151).

Grande demais pra ser verdade

Presidente Dutra tentou, mas não conseguiu salvar a concessionária (foto FGV)

         Dois anos depois, pressionada pelas au-
toridades e pela opinião pública, a Companhia
recorreu ao governo federal de quem conse-
guiu autorização para explorar energia do salto
de Mimoso, no rio Pardo, através do decreto
25.403, de 30 de agosto de 1948.  
 Procurando agregar confiabilidade à sua
capacidade empreendedora, diante da crise
pronunciada no embalo da concessão federal,
a CME  pleiteou vultoso empréstimo internacio-
nal, junto ao International Bank for Reconstru-
tion, dos Estados Unidos, através da Comissão
Mista Brasil-Estados Unidos para implementar
o audacioso projeto da usina de Mimoso. A pri-
meira etapa do processo burocrático foi alcan-
çada com a autorização do Congresso para ga-
rantia do governo à transação pleiteada. Em 7
de dezembro de 1950, o presidente Eurico
Gaspar Dutra sancionou o decreto do legisla-
tivo, abonando pelo Tesouro Nacional, o em-
préstimo de até 3 milhões de dólares, solicitado
pela companhia. 

O próximo passo foi a articulação com a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, a quem cabia encaminhar a tramitação do processo. Quase dois anos depois, em 1º de dezembro de 1952, o presidente Getúlio Vargas aprovou o documento da citada comissão, num ato que mereceu generosos espaços da imprensa nacional:

O presidente da República aprovou a recomendação da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos no sentido da obtenção de financiamento, em moeda estrangeira, até um milhão e 600 mil dólares, para a ampliação e reequipamento da Companhia Matogrossense de Eletricidade.

 O projeto visa a proporcionar condições
de progresso econômico e bem-estar social
à região sul de Mato Grosso e à sua popula-
ção. O governo dará as garantias necessá-
rias para a obtenção do empréstimo e ree-
xaminará o problema das tarifas. 

O presidente determinou o envio do processo ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico para que ali se estudem as sugestões relativas ao financiamento em cruzeiros.

O material a ser adquirido pelo empréstimo vai ser utilizado nas seguintes obras: construção de uma usina hidrelétrica de 9.000 kw em Mimoso; instalação de mais um grupo Diesel-elétrico de 1.000 kw em Campo Grande; instalação de um gerador de 1.500 kw, acionado por turbina a vapor, em Corumbá; instalação de subestações e ampliação simultânea das redes distribuidoras dos três sistemas.

Constitui o projeto em questão um programa de urgência com o fim de proporcionar maior potência de energia e mais instalações de transmissão e distribuição à Companhia Matogrossense de Eletricidade que é a única concessionária do aproveitamento e fornecimento de energia elétrica de Campo Grande, Aquidauana e Corumbá no Estado de Mato Grosso.

 As despesas em moeda nacional são or-
çadas em Cr$ 33.710.000,00, importância
que será acrescida dos juros e do emprés-
timo em dólares, isto é, eleva o custo total
do projeto para Cr$ 71.790 milhões. 
 Do ponto de vista econômico, representa
o projeto contribuição ao programa da Co-
missão Mista que visa criar condições propí-
cias e um desenvolvimento mais rápido da
rica região agrícola e pastoril do Sul de Mato
Grosso. O empreendimento resultará no
provimento de uma reserva de energia elé-
trica às cidades de Campo Grande e Aqui-
dauana, que incentivará o progresso das in-
dústrias de beneficiamento locais. Este re-
sultado, por sua vez, terá efeitos benéficos
sobre a indústria pastoril e favorecerá a ex-
pansão agrícola de toda a região. No que diz
respeito à cidade de Corumbá, o projeto
apenas facilitará o aumento da potência ge-
radora da Cia. a ponto de o seu suprimento
satisfazer a grande demanda que decorre
da recente criação de numerosas empresas
industriais na zona. (CORREIO DA MANHÃ,
RJ, 03/12/52). 

Mais de um ano depois da autorização do presidente para acessar o empréstimo internacional, o financiamento continuava emperrado pela burocracia, a caminho da gaveta. A última notícia que se tem da promessa em questão, foi ventilada na sessão da Câmara dos Deputados, de 2 de abril de 1954, através de intervenção do deputado federal Dolor de Andrade (UDN-MT):

Requeiro à Mesa solicita informações ao Poder Executivo sobre o empréstimo pleiteado pela Companhia Matogrossense de Eletricidade ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, para a construção da Usina Hidrelétrica do Mimoso, em águas do rio Pardo, estado de Mato Grosso, esclarecendo:

  1. – Se o empréstimo para o financiamento em causa pode ser concedido sem a revisão das tarifas.
  2. – Quantas empresas concessionárias de energia elétrica, até aqui pleitearam idêntico benefício?
  3. – Se o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico tem, por praxe fazer financiamento em parcelas e mediante que condições de juros?
  4. – Qual o numerário de que o Banco dispõe. (CORREIO DA MANHÃ, RJ, 03/04/ 1954).

Mimoso, devagar quase parando

 
 

Roberto Campos, dinheiro do BNDE para Mimoso

  Junto com a concessão da CEM, o em-
préstimo internacional milionário, encaminhado
para a construção da usina de Mimoso, foi para
o arquivo. A morte do presidente Vargas, que
apadrinhava a iniciativa, contribuiu para o pro-
cesso de engavetamento. Concretamente, re-
curso para o projeto, herdado pela Cemat,  vol-
taria a ser cogitado somente em 1959, bem de-
pois do decreto de caducidade da Companhia
Mato-grossense de Eletricidade,  já no final do
governo Ponce de Arruda, com a notícia de um
empréstimo de 1 bilhão de cruzeiros do BNDE
à nova concessionária para a obra: 
  Conforme foi anunciado, estiveram em
 conferência com o sr. Ponce de Arruda, di-
 retoria da Cemat, representada por seu pre-
 sidente cel. Máximo Levy e dr. Alberto Adir,
 diretor técnico e o dr. Graco Rodrigues, téc-
 nico em energia elétrica do Banco Nacional
 de Desenvolvimento Econômico. 

A viagem do dr. Graco Rodrigues a Mato Grosso prendeu-se à determinação do sr. Roberto Campos, presidente do BNDE, entidade com a qual o Governo do Estado está mantendo entendimentos versando à obtenção de empréstimos destinados a solucionar o problema de energia elétrica com que se debatem, neste momento, as cidades e Corumbá.

No caso de Corumbá, o sr. Presidente do BNDE atendendo o pedido de uma comissão da Associação Comercial daquela cidade, telegrafou ao sr. governador Ponce de Arruda, iniciando assjm os entendimentos, os quais se estiveram as reuniões realizadas em Corumbá, recentemente, com a presença da direção da Cemat, do sr. Luis Lins, prefeito de Corumbá e do dr. Graco Rodrigues.

 Por sugestão daquele técnico do BNDE,
o governo do Estado, através do sr. presi-
dente da Cemat deverá avistar-se com o sr.
Roberto Campos, presidente do BNDE, afim
de conseguir novo empréstimo destinado a
aquisição de novos motores Diesel para
atender as necessidades atuais e futuras da
cidade branca. 
 Quanto a Campo Grande, o financia-
mento a ser concedido por aquele estabele-
cimento de crédito para a construção da
grande usina do Mimoso, encontra-se já
com parecer favorável ao projeto que será
submetido à aprovação do Conselho do
BNDE dentro de poucos dias. Este empre-
endimento, que se destaca como uma das
mais notáveis realizações do governo Pon-
ce de Arruda, está com o seu custo orçado
em 1 bilhão de cruzeiros, dos quais o BNDE
concorrerá com 600 milhões e a Cemat com
400 milhões. Sua potência será de 34.000
HP e a construção está prevista para 3 anos.

Após concluída atenderá os municípios de Campo Grande e Ribas do Rio Pardo, podendo também atender o município de Aquidauana.

 Em Campo Grande a Cemat já está  pro-
cedendo a melhoramentos na rede de distri-
buição da cidade, obedecendo já seus pla-
nos da grande Usina de Mimoso. (O ES-
TADO DE MATO GROSSO, 28/05/1959) 

Mimoso que sai do papel

 
 
 

Finalmente, em 27 de setembro de 1960, foi iniciada a construção de Mimoso. A Grunbilf do Brasil, empresa contratada pela CEMAT, iniciou a obra, “projetada inicialmente para ter uma potência instalada de 43.000 cv (uma turbina de 12.000 cv e outras duas de 15.500 cv, cada). Por questões de natureza financeira e política, a construção de Mimoso levou mais de 10 anos para ser totalmente concluída”. No período de 1960 a 1971, o processo de construção da usina paralisou e a Grunbilf do Brasil foi substituída pela Engenharia Civil e Sanitária S.A. – CIVILSAN, que passou a administrar o empreendimento até a sua energização.

 Lúcio Kaiti Kawano tem detalhes importantes sobre a obra pronta:

Convém destacar que o projeto de Mimoso sofreu alterações em sua concepção original cuja concepção inicial era implantar uma turbina do tipo Kaplan de 10.000 cv, de fabricação da “Charmilles”, que fora projetada para ser instalada na usina de Palmital, no Estado de São Paulo, e que posteriormente foi adquirida pela CEMAT. No eixo desta turbina, foi acoplado um gerador de fabricação da “Öerlikon” de 11.875 kVA. Buscando otimizar a capacidade de geração de energia elétrica, tempos depois um novo processo de ampliação da usina foi iniciado pela CEMAT e que resultou na contratação da Serete Engenharia S.A. A partir dos estudos feitos pela contratada para introduzir a segunda máquina foram adquiridos uma turbina tipo Kaplan da “Voith” de 27.000 cv e um gerador da “General Electric” de 23.500 kVA. Em 1977, a segunda unidade em Mimoso entrou em operação e o sistema CEMAT, no sul do antigo Mato Grosso, passou a contar com uma potência instalada de 35.375 kVA, de geração própria. A conexão da linha de transmissão vinda de Jupiá na subestação Miguel Couto, também deu início à expansão do sistema elétrico no sul do antigo Mato Grosso. (KAWANO, p 59).

 A adesão do governador Pedro Pedros-
sian, eleito pela oposição, ao partido do gover-
no militar, facilitou a liberação de novos recur-
sos para o Estado, priorizando o setor energé-
tico: 
  Mais de 15 milhões de cruzeiros novos
 foram destinados às obras de construção
 Mimoso e Rio da Casca III e a ampliação
 das redes de distribuição de energia elétrica
 de Cuiabá e Campo Grande, em Mato
 Grosso, por convênio assinado ontem pela
 Eletrobras com a Centrais Elétricas Mato-
 grossenses (CEMAT), com a interveniência
 do Banco Nacional de Desenvolvimento. 

A Usina de Mimoso terá a potência final 32 mil kW e a Usina de Rio da Casca III fornecerá 8.300 kW. Ambas deverão estar concluídas ainda este ano e são de essencial importância para o desenvolvimento da região Oeste do país.

REDES DE DISTRIBUIÇÃO – O convênio foi firmado na sede do BNDE, pelo presidente da Eletrobras, engenheiro Mario Bhering; pelo presidente do BNDE, economista Mário Magrassi de Sá; pelo diretor de investimentos da Eletrobras, prof. Manoel Pinto de Aguiar; pelo diretor do BNDE, Antonio Carlos Pimentel Lobo; pelo diretor da CEMAT, sr. Fernando Salgado e pelo presidente do Banco do Estado de Mato Grosso, sr. Raul Santos Costa.

 Pelo contrato, a Eletrobrás destina à CE-
MAT, empresa a que está associada, NCr$
4 milhões e 500 mil cruzeiros destinados à
Usina de Mimoso e à rede de distribuição de
energia elétrica da cidade de Campo
Grande. (O JORNAL, 31/03/1967). 

Superando duas crises políticas nacionais e uma local (renúncia de Janio Quadros, golpe de 64 e tentativa de impeachment do governador Pedrossian), é, finalmente concluída, no início de 1971, a primeira etapa da usina Assis Chateaubriand. Mimoso foi a última obra inaugurada pelo governo Pedrossian em Mato Grosso.

 
Governador Pedro Pedrossian e esposa, dona Maria Aparecida, e se-
cretários, na entrega da usina de Mimoso (foto O Cruzeiro) 
 
Assis Chateaubriand, uma homenagem ao dono dos Diários Associa-
dos (foto Diário da Serra) 
Mimoso e Urubupungá, a priori-
dade 
 
A última termelétrica de Campo Grande, aposentada por Jupiá (foto
reprodução do livro Campo Grande 100 Anos de Construção) 

O período mais longo de escassez de energia em Campo Grande foi até 1956, quando a Companhia Matogrossense de Eletricidade deixou de operar em Mato Grosso, por conta da caducidade de sua concessão. Foram cerca de 10 anos de racionamento, mitigado pelo esforço de três governadores e quatro governos: dois mandatos de Fernando Correa da Costa, um de João Ponce de Arruda e outro de Pedro Pedrossian.

 Os três ocuparam a maior parte de seus
tempos com o problema da energia elétrica, fo-
cados em Mimoso e Urubupungá, de onde a-
creditavam estar a única solução para a dramá-
tica dependência da cidade e do Estado. 

As crises políticas da época, a burocracia de todas épocas e as deficiências financeiras do Estado e da nação, sobrepunham-se à capacidade e a vontade política dos gestores. 

O primeiro a encarar a transição foi João

Ponce de Arruda (PSD), com a ativação da CEMAT, Centrais Elétricas Matogrossenses S.A, em setembro de 1958 e assumindo, através desta a operação do sistema, cuja responsabilidade fora atribuída provisoriamente ao município. A CEMAT passou a ser a administradora não só em Campo Grande, mas em Cuiabá, Aquidauana, Corumbá, com sua jurisdição em todo o Estado.

A CEMAT constata Kerman Machado, “com grandes dificuldades resultantes das carências organizacionais e técnicas de uma empresa em início de operação, assumiu a responsabilidade de praticar racionamentos cada vez maiores que, em alguns circuitos, chegaram a 14 horas diárias e 4 outras de um suprimento sem qualidade na frequência e na tensão”:

 Na continuidade dos efeitos resultantes
desses cortes, como ligações emergenciais
de hospitais  linhas primárias especiais, as
situações surgidas somente foram atenua-
das entre 1958 e 1959, com um suprimento
da ordem de 600 kW recebido de um turbo-
gerador Asea/Stal do Frigorífico Matogros-
sense (Frima), depois de um grupo Diesel
da Prefeitura – o Piracicabano – de duração
operacional mínima, só contrabalançado em
ineficiência por outro turbogerador Bells &
Marcon adquirido pela Cemat, previsto para
gerar três mil kW e não chegou a alcançar
10% do previsto em sua fase de comissio-
namento. Foi retirado de serviço pela polui-
ção de óleo combustível causada na área do
Frima, após outras tentativas malsucedidas
de operação. (MACHADO, 1999, p 15) 
Fernandão, uma boa ideia e um co-
fre vazio 
 
 Fernando Correa da Costa é conside-
rado o principal protagonista da solução do
problema energético de Mato Grosso. Prefeito
de Campo Grande, de 1º de dezembro de 1947
a 31 de janeiro de 1951, viveu o drama do raci-
onamento desde o início da crise de abasteci-
mento, quando ainda havia expectativa de so-
lução local. Governador do Estado, pela pri-
meira vez (1951-1956), priorizou as ações de-
finitivas para o problema de luz e força e, no
seu segundo governo (1960-1965) foi decisivo
na realização do projeto de exploração dos re-
cursos híbridos do rio Paraná, que colocariam
Mato Grosso entre os estados autossuficientes
em energia elétrica, integrando-o ao sistema
nacional. 
 O seu primeiro governo coincidiu com o
mandato do presidente Getúlio Vargas. De olho

no Ponto IV de Truman, pensou em investimentos na bacia do Paraná. O Ponto IV foi programa de auxílio técnico dos Estados Unidos a países da Ásia, África e América Latina no pósguerra. O programa foi anunciado em 1949 pelo presidente Harry Truman e foi o quarto objetivo da política externa mencionado em seu discurso inaugural em 20 de janeiro de 1949.  

 Tendo como parâmetro a Lei 541, de
1948, que criou a Comissão do Vale do São
Francisco, “resolveu dirigir uma carta ao gover-
nador de São Paulo, dr. Lucas Nogueira Gar-
cez, em 17 de junho de 1951. Nessa carta su-
geria que estando em vias de execução a
aplicação do PONTO IV de TRUMAN na Amé-
rica do Sul e merecendo especial atenção da
Co-missão Mista Brasil-Estados Unidos, a Ba-
cia do Paraná, convocasse ele uma reunião
dos governadores dessa área a fim de acerta-
rem os seus pontos de vista em face de tão
magno problema”, segundo Demósthenes Mar-
tins, então secretário de Justiça do governo es-
tadual: 
  Acolhida com entusiasmo a sugestão
 do governador de Mato Grosso, Garcês con-
 vocou os governadores Pedro Ludovico Tei-
 xeira, de Goiás, Juscelino Kubitschek, de
 Minas Gerais, Bento Munhoz da Rocha, do
 Paraná, Irineu Bornhausen, de Santa Cata-
 rina e Fernando Correa da Costa para se re-
 unirem em São Paulo, de 6 a 8 de setembro
 de 1951, “com o objetivo de esquematiza-
 rem as soluções dos problemas de inte-
 resse comum, compreendidos na bacia do
 Paraná”. (MARTINS, 1980, p 199). 
              O encontro dos governadores deu-se
em 7 de setembro de 1951, no palácio dos
Campos Elísios, em São Paulo e a conferência
resultou na criação na Comissão Interestadual
da Bacia do Paraná, com as seguintes indica-
ções: 
– Aceitar as conclusões e indica-
ções sobre o plano geral de trans-
portes da região, sobre o plano de
aproveitamento hidrelétrico da ba-

a)

cia do Paraná e seus afluentes,
sobre o plano de aproveitamento
dos   combustíveis,    zoneamento
geoeconômico e meios para o fi-
nanciamento inicial dos estudos e
projetos das obras programadas,
como das possibilidades de cus-
teio da execução delas; 
– Submeter à consideração do go-
verno federal o plano de criação
de um órgão federal com a partici-
pação direta dos Estados geogra-
ficamente contidos na Bacia do
Paraná, considerando para os
mesmos efeitos, dela interdepen-
dentes o Estado do Rio Grande do
Sul. 
– Criar desde logo, um órgão téc-
nico-administrativo para discipli-
nar e orientar o planejamento dos
empreendimentos e adquirir medi-
das para sua objetiva execução; 
– Convidar o Estado do Rio Grande
do Sul a integrar a comissão, ór-
gão interestadual a ser criado, da-
da a íntima afinidade existente en-
tre os seus problemas econômicos
e os dos Estados da Bacia Hidro-
gráfica do Rio Paraná; 
–  Considerar o Conselho Nacional
de Economia, os órgãos represen-
tativos das classes produtoras e
as entidades técnico-profissionais

b)

c)

d)

e)

f)

do país como elementos progra-
mados; 
– Estabelecer permanentes conta-
tos para o normal desenvolvimen-
to das providências que se fizerem
necessárias ao imediato início dos
empreendimentos de forma a tor-
nar possível, ainda dentro de seus
atuais períodos de governo, a rea-
lização de parte apreciável obras
programadas; 
– Propiciar um mútuo e proveitoso
entendimento das representações
de cada Estado no Congresso Na-
cional, de forma a prestigiar a cria-
ção do projetado Orgão Interesta-
dual e os seus altos objetivos; 
– A remessa ao sr. Presidente da
República, ao Congresso Nacio-
nal, ao Conselho Nacional de Eco-
nomia e às assembleias estadu-
ais, de súmula das deliberações
neste Convênio. (CORREIO PAU-
LISTANO, 09/09/1951). 

g)

h)

i)

            Levado o projeto ao presidente Getúlio
Vargas, pelo governador Lucas Garcês, este
sugeriu a inclusão do Rio Grande do Sul. 
             “Assim ajustados – lembra Demosthe-
nes Martins – na primeira reunião dos integran-
tes da Comissão de Estudos dos Problemas
Econômicos da Região do Paraná, realizada
em 6 de maio de 1952, em S. Paulo, foi aprova-
do o regimento interno da Comissão ela a de-
signar-se COMISSÃO INTERESTADUAL DA
BACIA PARANÁ-URUGUAI – CIBPU”. 
 
 

Urubupungá, o invejável manancial do rio Paraná

 
 

Vargas e Garcês. Brasil e São Paulo unidos pela energia

A palavra de JK

 
 
O governador Janio Quadros (SP) mostra ao presidente JK o projeto
do complexo Urubupungá (foto Jornal do Brasil) 
             Priorizada a construção da hidrelétrica
de Urubupungá, aberta a concorrência interna-
cional para planejamento e execução das o-
bras, foi vencedora a Societá Edison, de Milão.
O contrato foi firmado em 27 de janeiro de
1955. Era presidente da República, João Café
Filho, vice-presidente de Getúlio, que suicidara
em 24 de agosto de 1954. No governo de Mato
Grosso, no último ano de seu primeiro man-
dato, Fernando Correa da Costa. 
        Em reunião solene, realizada em 2 de ju-
lho de 1957, no Palácio Campos Elísios, sede
do governo de São Paulo, o governador Jânio
Quadros, presidente do Consórcio, entregou ao
presidente da República, Juscelino Kubistchek,
na presença dos governadores da região, o
projeto das duas primeiras usinas no rio Pa-
raná, ambas no complexo Urubupungá. Era go-
vernador de Mato Grosso, João Ponce de Ar-
ruda. 

A primeira dessas usinas, a de Jupiá, será dotada de 15 unidades de 75.000 KVA cada uma; a da ilha Solteira terá 15 geradores, cada um com 110.000 KVA.

 Os planos de construção elaborados, e
que acompanham o aludido projeto, pre-
veem, na sua primeira fase, a entrada em
serviço na usina de Jupiá, cinco anos após
o seu início, de seis grupos geradores, tota-
lizando 450.000 KVA, de imediato consumo
na região Centro-Sul, cuja potência será da
ordem de dois milhões de quilovates. 

Admitida a taxa de crescimento de 10% o aumento anual de consumo de energia elétrica será de 200.000 quilovates.

 No projeto da usina de Jupiá, três alter-
nadores    de    75.000    KVA,    totalizando
225.000 KVA, estão ligados a um mesmo
banco de transformadores, constituindo as-
sim, como que uma unidade de exploração.
 Na usina de Ilha Solteira serão montados
quinze alternadores 110.000 KVA, ligados
também em grupos de três, com 330.000
KVA, no mesmo banco de transformadores.

Fechando o ato, após discurso de vários oradores, ressaltando a importância histórica do evento, falou o presidente JK:

 Em seu discurso salientou o chefe do
Executivo, de início, que a solenidade que
então se realizava, de aparência tão singela,
vai ficar nas páginas do desenvolvimento do
Brasil, como um dos episódios mais fulgu-
rantes. Ao iniciar sua campanha política –
disse – e verificando que o país precisava
de um programa que ferisse exatamente os
pontos essenciais de seu desenvolvimento,
como governo teria de atacar mais precipu-
amente o problema de energia e transporte.
Pensava, então, que em sua administração
pudesse elevar de três milhões para cinco
milhões de kW o nosso potencial hidrelé-
trico. Nesse sentido foram iniciadas démar-
ches e providências, quase todas a cargo de
elementos do governo, entre os quais des-
tacava , naquele instante, o engenheiro Lu-
cas Lopes, que se tem ocupado vivamente
desses problemas relacionados com trans-
portes e energia. 
 Continuou o presidente Juscelino Kubits-
chek afirmando que algumas das obras des-
ses setores ficarão marcadas na história do
Brasil, por seu cunho eminentemente nacio-
nal. Uma delas, já iniciada, é a da gigan-
tesca barragem de Três Marias, no rio São
Francisco, a qual vai acumular mais de 22
bilhões de metros cúbicos de água, possibi-
litando funcione em sua base uma usina de
500 kW. Terá, além disso, uma influência
considerável , pois  regularizará a navega-
ção do rio São Francisco, permitindo que em
qualquer período do ano aquele rio, hoje de-
saparecendo para efeito comercial de trans-
porte, retome sua posição de relevo no ce-
nário econômico do país. Três Marias ser-
virá a seis estados diretamente, benefici-
ando, também, indiretamente, outros vários,
como os região do Nordeste. Isso, porque a
captação da grande barragem dobrará a ca-
pacidade da Paulo Afonso de 500 mil para
um milhão de kW. E, no momento, está o
governo empenhado em levar a regiões
mais distantes do Nordeste, como Ceará,
Paraíba, Rio Grande do Norte, parte da
energia de Paulo Afonso, a fim de fecundar
áreas que até agora não dispunham, nas
proporções desejadas, desse instrumento
de progresso. 

Referindo-se à usina de Urubupungá, acentuou o presidente:

 “Essa honra que V. Exa., sr. governador
Jânio Quadros, traz para ao Governo Fede-
ral é também dessas que ficarão imorredou-
ramente no panorama do Brasil. Tem o
mesmo cunho nacional daquela a que aca-
bo de aludir, e com uma vantagem: ao invés
de um milhão de kW, vai ela produzir três
milhões de kW, na região mais necessitada,
pois é a região que já atingiu maior nível de
progresso e tem, portanto, mais fome e sede
de energia elétrica”. 
 Ressaltou o sr. Juscelino Kubitschek, a
esta altura, que, pela compreensão de que
nenhuma nação poderá progredir, hoje em
dia, sem ter uma capacidade de energia elé-
trica que mobilize suas riquezas naturais ,
preocupou-se desde cedo o seu governo em
atacar preferentemente esse setor. Os 5 mi-
lhões de kW que teremos em 1960, serão
insuficientes para atender às solicitações
em 1963 quando o consumo de energia elé-
trica deverá ser de 8 milhões de kW, consi-
derada a curva de crescimento do Brasil.
Urubupungá virá assegurar ao país em 1963
esta capacidade de energia elétrica, sem a
qual teríamos uma nova pausa em nosso
desenvolvimento. Trata-se , portanto, de u-
ma obra de amplo e profundo alcance eco-
nômico para o Brasil – alcance também so-
cial, porque Urubupungá será poderoso fa-
tor de fecundação de regiões que estão, re-
almente, carecendo desse instrumento de
produção e de progresso. 
 Depois de declarar ser sua aspiração
mais profunda deixar em 1965 um Brasil 
preparado para enfrentar suas crises, o pre-
sidente Juscelino Kubitschek congratulou-
se com o governador Jânio Quadros pelo
espírito público e pela dedicação com que
se vem votando a esse importante projeto.
Com estas obras de Três Marias, Urubupun-
gá e da construção da nova capital do Brasil
– realçou S.Exa. – o período de 1956 a
1963, no tocante ao Governo, ficará assina-
lado como uma das épocas em que mais sé-
ria e objetivamente se cuidou dos interesses
do Brasil no interior. (JORNAL DO BRASIL,
03/07/1957). 
 

Três Marias, a grande usina de JK

O canteiro de obras e o desvio do
rio Paraná 
 

Cidade-piloto para abrigar a família dos trabalhadores (foto O Cruzeiro)

             Em outubro de 1960, antes mesmo da
constituição da CELUSA, empresa que viria a
assumir a construção da usina, o governo de
São Paulo, através da CIBPU, deu início às
obras de desvio do rio: 
  O governador paulista, depois de tomar
 conhecimento dos pontos elaborados pela
 Comissão da Bacia Paraná-Uruguai, julgou
 conveniente o início imediato das obras de
 construção da primeira ensacadeira (desvio
 do rio) da usina de Urubupungá, ainda que
 em escala reduzida, em relação à época do
 início. Desse modo, feita a concorrência pa-
 ra as obras, propriamente ditas, poderá o
 empreiteiro contratante do serviço, iniciar
 imediatamente as obras da primeira casa de
 força, o que representará ganho substancial
 de tempo na construção da usina. 
  A decisão governamental decorreu da
 sugestão apresentada pela Comissão Incor-
 poradora das Centrais Elétricas de Urubu-
 pungá, após exame dos projetos existentes
 na Comissão da Bacia Paraná-Uruguai. 

Trata-se de obra preliminar que, pelas suas características, poderá ser atacada independentemente da instalação integral do canteiro de serviços. ( CORREIO DA MANHÃ, 06/10/1960).

Em 29 de outubro, caravana que percorre o interior de São Paulo, à frente o governador Carvalho Pinto, chega à região de Urubupungá e inaugura no lado paulista o aeroporto de Jupiá e o marco comemorativo do início das obras da grande barragem. (O JORNAL, 30/10/1960).

Em 23 de novembro, a prefeitura de Três Lagoas comunica ao presidente Juscelino Kubitschek a doação da área para as obras da represa em território de Mato Grosso:

 Tenho a maior honra de comunicar à
V.Exa. que nesta data realizou o ato de imis-
são de posse da área da margem do Estado
de Mato Grosso, destinado ao serviço da fu-
tura barragem de Jupiá, sendo a mesma en-
tregue à Comissão Interestadual da Bacia
Paraná-Uruguai, a qual superintende as
obras preliminares. Esse é um momento his-
tórico, sem dúvida, que abre o horizonte de
nova época de expansão vertiginosa de
nossa Pátria, que está fadada a se tornar
berço de uma outra civilização que presidirá
os destinos do mundo num futuro muito pró-
ximo. As) dr. Leal de Queiroz – prefeito mu-
nicipal de Três Lagoas. (CORREIO DA
MANHÃ, 23/11/1960). 
 

Francisco Leal de Queiroz, prefeito de Três Lagoas (foto O Cruzeiro)

Jango lança obras da barragem de
Jupiá 
 
 
Presidente João Goulart e governador Fernando Correa da Costa (à
esquerda), no lançamento das obras de Jupiá (foto revista Manchete)
 
          Em 25 de novembro de 1962, o presi-
dente João Goulart cumpre agenda em Três
Lagoas, onde esteve, em companhia de vários
de seus ministros para “assinar os contratos de
aquisição dos equipamentos pesados e da re-
alização das obras civis da usina de Jupiá – pri-
meira etapa do sistema de Urubupungá”. Na ci-
dade mato-grossense o presidente da Repú-
blica foi recepcionado pelos governadores de
São Paulo, Mato Grosso, Paraná e Santa Cata-
rina, representantes dos governadores de Mi-
nas Gerais e Goiás: 
  Após passar em revista tropas do Exér-
 cito, o chefe da nação, acompanhado pelos
 governadores dirigiu-se a um hotel do lado
 paulista do rio Paraná, onde manteve breve
 contato com os chefes de executivos esta-
 duais. A seguir, de helicóptero, visitou as
 obras da usina. Mais tarde desceu na cidade
 piloto da usina onde se realizou a soleni-
 dade de assinatura dos contratos. 

No local, falando para uma plateia de cerca de 2.000 operários e autoridades, depois “de elogiar a contribuição da iniciativa privada japonesa e italiana, para a construção de Urubupungá e Usiminas, disse que  o capital que venha fixar-se na side-

rurgia e na produção de eletricidade, que se infiltre para a consolidação da infraestrutura do Brasil, há de ter sempre o apoio e reconhecimento do povo brasileiro. (JORNAL DO BRASIL, (27/11/ 1962).

             Ao finalizar, Jango “elogiou o trabalho
dos governadores, particularmente o do sr.
Carvalho Pinto; agradeceu a colaboração téc-
nica e financeira prestada por seu país e aos
trabalhadores da CELUSA e seus esforços
para a concretização da obra”. 
              Antecedendo ao presidente da Repú-
blica, discursou o governador Carvalho Pinto,
que “historiou a realização de Urubupungá e,
depois de lembrar a obra dos bandeirantes
paulistas afirmou que 

precisamos agora de um novo bandeirismo, que não visa a integração do território, mas da comunidade nacional, num poderoso corpo voltado à construção de uma grande pátria.

Dirigindo-se ao primeiro mandatário disse:

 Com o decidido apoio do governo de
V.Exa. e dos estados interessados pudemos
dar às obras de Urubupungá, através do
plano de ação do nosso governo, incre-
mento extraordinário que se coloca em con-
dições de serem levadas adiante por nosso
sucessor. (O JORNAL, 27/07/1962). 
EUA doam 6 milhões de dólares ao
Estado de Mato Grosso 
 Lincoln Gordon (de óculos escuros) vistoria obras de Jupiácom o governador Fernando Correa da Costa, o primeiro à esquerda
  Ainda em seu governo, no início do regime
 militar, Fernando Correa da Costa conseguiu do
 governo americano, através da Aliança para o
 Progresso, ajuda para expansão da energia no
 Estado, permitindo ao seu sucessor, Pedro Pe-
 drossian, a extensão da linha de transmissão de
 Campo Grande para Dourados e Corumbá. 
 Durante visita ao Estado, em 1964 o em- 
baixador americano Lincoln Gordon esteve em 
Cuiabá, Corumbá, Campo Grande e Dourados, 
encerrando a viagem no dia 7 de julho com visita 
às obras de Urubupungá. No dia 5, o diplomata 
assinou com o governador Fernando Correa da 
Costa, convênio de financiamento da Aliança 
para o Progresso ao Plano de Eletrificação de 
Mato Grosso no valor de US$ 6.230.000,00. Em 
Jupiá, acompanhados do governador e do minis- 
tro Roberto Campos, do Planejamento, os ameri- 
canos percorreram as obras da usina de Urubu- 
pungá, “sendo então informados de que o crono- 
grama vem sendo cumprido, de forma que as pri- 
meiras unidades poderão iniciar a produção de 
eletricidade em princípios de 1967″. (BRASIL 
OESTE, 1964, p 42).  

CELUSA: Mãos à obra!

 
 

Hélio Bicudo (à direita) com o governador Carvalho Pinto (foto Fapesp)

Para desenvolver o primeiro grande projeto da CIBPU, foi criada a CELUSA, Centrais Elétricas do Urubupungá S/A. Os governadores, membros da Comissão, decidiram oficialmente em reunião realizada em Brasilia, em 19 e 20 de março de 1960:

  Os governadores, etc., resolvem autori-
 zar o órgão executivo da Comissão Interes-
 tadual da Bacia Paraná-Uruguai a manter
 entendimentos com os estados que ainda
 careçam da autorização legislativa, para
 que promovam, em 90 dias, as medidas a-
 dequadas para a subscrição do capital das
 Centrais Elétricas de Urubupungá – CE-
 LUSA, conforme diretrizes fixadas nas con-
 ferências dos governadores levadas a efeito
 em Florianópolis e São Paulo 
 A CELUSA realizou sua assembleia de
fundação no dia 3 de janeiro de 1961. Ato so-
lene, presidido pelo governador Carvalho Pinto,
de São Paulo marcou o evento, ao qual com-
pareceram os governadores Herberto Heber,
de Santa Catarina; José Feliciano Ferreira, de
Goiás; Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul;
Ponce de Arruda, de Mato Grosso, Moisés Lu-
pion, do Paraná e os governadores eleitos de
Minas Gerais, Magalhães Pinto; do Paraná,
Ney Braga; de Santa Catarina, Celso Ramos;
de Mato Grosso, Fernando Correa da Costa e
de Goiás, Mauro Borges Teixeira. 

Em longo discurso, o governador anfitrião traçou em detalhes a importância do grande investimento o qual destacou com obra nacional:

 São Paulo, senhores governadores,
sente-se – fiel ao seu espírito de brasilidade
– particularmente feliz em concorrer para
essa notável realização. Na verdade, Urubu-
pungá não pode ser vista como simples obra
regional, ainda que o seja em grande esca-
la, senão no seu significado eminente-
mente nacional. Ela completa e se harmo-
niza com as magníficas iniciativas que se
chamam Paulo Afonso, Três Marias, Fur-
nas, com as usinas que neste Estado ope-
ram sob a égide da USELPA e da CHERP,
assim como suas coirmãs nos demais Esta-
dos da Bacia Paraná-Uruguai, soldando
com os benefícios da técnica moderna os la-
ços da integração nacional. Não está longe
o dia, mercê de Deus, em que esse pode-
roso sistema fará sentir sua influência, en-
cerrando, como peça fundamental do de-
senvolvimento econômico, o ciclo de empo-
brecimento de vastas regiões, inclusive de
ampla parcela do Centro-Oeste, que consti-
tui o novo eixo do desenvolvimento nacional
e o fautor do indispensável equilíbrio geoe-
conômico que a todos nós cumpre defender,
entre o Norte e o Sul, entre o litoral e o ser-
tão. 
 Praticando dessa forma obra de sadio e
autêntico nacionalismo efetivo, voltado para
a consolidação da nossa unidade, a vitaliza-
ção das nossas riquezas materiais e huma-
nas e firme preservação de sua soberania –
é com essa afirmação de fé e confiança no
futuro, vale dizer nos destinos da grande Pá-
tria comum e, sobretudo, na redenção do
homem brasileiro que tenho a honra de de-
clarar constituída as Centrais Elétricas de
Urubupungá S.A. e augurando-lhe a certeza
do magnífico por vir. (CORREIO PAULIS-
TANO, 04/01/61) 

Em seu discurso o governador Carvalho Pinto tentou responder a uma preocupação de seu colega Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul:

     Em carta dirigida ao deputado Abreu So-
dré, sobre a constituição das Centrais Elétri-
cas de Urubupungá (CELUSA), o governa-
dor gaúcho Leonel Brizola reafirma que seu
Estado defende a inclusão nos estatutos da
sociedade que construirá e explorará Urubu-
pungá, de uma cláusula proibitiva de venda
em grosso de energia para redistribuição
por grupos estrangeiros em que por qual-
quer forma, tenham capital controlado por
estrangeiro. 

A cláusula é indispensável, segundo o governador Brizola, para evitar que a sociedade se veja na situação de possuir energia elétrica, mas sem dispor de meios para distribuição, não tendo assim outra solução senão confiar a distribuição a organizações estrangeiras, ou seja, no caso de Urubupungá – à Light e à Bond and Share. (JORNAL DO BRASIL, 06/01/61). 

 Por deferência do governador de São
Paulo, coube ao governador  Fernando Correa
da Costa, indicar um representante de Mato
Grosso na diretoria da nova empresa. O advo-
gado Demosthenes Martins, ocupou a vaga
destinada ao nosso estado. 
           Esta primeira diretoria teve como presi-
dente, o advogado Hélio Bicudo,  sendo as de-
mais vagas ocupadas por Diogo Adolfo Nunes
de Gaspar, Francisco Lima de Souza Dias e
Nilde Ribeiro dos Santos. A Demosthenes, por
sua condição de advogado, coube encaminhar
os processos de desapropriação das áreas a
serem alagadas pelas represas das usinas pro-
jetadas. 
           “À CELUSA – segundo Demosthenes –
na conformidade do decreto 38649, de 25 de
janeiro de 1956, do então presidente da Repú-
blica Nereu Ramos, fora outorgada a conces-
são para aproveitamento de energia hidráulica
no trecho de Itapura e Urubupungá, nos rios Ti-
etê e Paraná, na divisa de São Paulo e Mato
Grosso”. 
            Cabia-lhe a construção da Central Elé-
trica de Urubupungá no conjunto de Jupiá e Ilha
Solteira, com projeto da Edisonbrás, empresa
itliana contratada pela CIBPU, em 1957. O ca-
pital inicial da empresa foi fixado em Cr$
334.770.000,00. (MARTINS, 1980, p 226). 
 
Demosthenes Martins, o representante de Mato Grosso na Celusa,
com JK (foto reprodução do livro de memórias de Martins) 

A magnitude da obra

 
 

Hidrelétrica de Jupiá. O ritmo frenético da construção

            Em 29 de julho de 1961, antes mesmo
do início da represa, esteve em Três Lagoas
em visita ao canteiro da obra, o ministro João
Agripino, de Minas e Energia, que regressou a
Brasília “visivelmente impressionado com o rá-
pido andamento dos trabalhos, os quais, uma
vez terminados, permitirão um aproveitamento
mediato de 3.000.000 kw”. 
        A barragem de Jupiá, a partir da margem
esquerda do rio Paraná, depois de concluída
teria as seguintes dimensões: 
  1. trecho de barragem em terra, com cerca de 1880 metros de extensão;
  2. trecho de barragem vertedouro em concreto, com 615,50 metros de comprimento total e 36 vãos de 15m x 11 metros;
  3. usina barragem em concreto com 525 metros e capacidade, na fase final, para 16 grupos;
  4. trecho de barragem para concreto, com 307 metros de comprimento para ligação entre a usina, a entrada

da eclusa e o trecho da margem di-

reita;

  • trecho de barragem em terra, com cerca de 2.140 metros de comprimento, para fechamento de margem direita.

Sobre esta barragem, passará uma rodovia. Formará a barragem um reservatório de três bilhões e quatrocentos milhões de metros cúbicos de água, estendendo-se por 79 km ao longo do rio Paraná, 40 quilômetros pelo Tietê e 63 km pelo Sucuriu rio acima. O volume represado será de 700 milhões de metros cúbicos.

 Pelo varadouro poderão passar 50 mil
metros cúbicos de água por segundo. Na casa
de força da usina, por construir, serão instala-
dos 16 grupos, 12 principais, de 100.000 kw
cada um; 2 secundário s, de 25 mil kw; e 2 au-
xiliares, de 4 mil kw. A potência total instalada
será assim de 1.258.000 kw, com uma produti-
vidade anual de 6 bilhões, 786 quilovates-hora
no mínimo, e sendo o máximo em 8 bilhões de
kw-hora, o que desenvolverá praticamente o
capital empregado num prazo de apenas dois
anos. (O JORNAL, 30/07/1961). 
 

João Agripino, ministro de Minas e Energia do governo Jânio Quadros   

Jupiá – Campo Grande: a primeira
torre 

Jupiá, obras em ritmo acelerado (foto O Cruzeiro)

 Em 23 de fevereiro de 1964 é solene-
mente entregue pelo governo de São Paulo, a
primeira torre do linhão de Jupiá – Campo
Grande. Com a inauguração da primeira torre
chega ao Sul de Mato Grosso o marco inicial
da energia hidrelétrica da usina de Jupiá. Ao
ato, presidido pelo governador Fernando Cor-
rea da Costa, compareceu o governador de
São Paulo, Ademar de Barros e o diretor da Ce-
lusa (Centrais Elétricas do Urubupungá S/A),
José Aflalo Filho, que discursando na ocasião,
ressaltou a importância do empreendimento
em seus aspectos sócio-econômicos, com des-
taque para a questão industrial: 
  No momento em que a mais grave crise
 de energia elétrica ronda ameaçadoramente
 diversos estados da União, impondo racio-
 namentos e medidas outras tendentes a evi-
 tar um colapso total, rejubila-se o Estado de
 São Paulo em vir trazer aos matogrossen-
 ses este marco que significa, praticamente,
 para a região sul deste grande Estado, im-
 prescindível fator de progresso. 

Na verdade, a entrada em operação da usina de Jupiá, em construção pela Centrais Elétricas de Urubupungá S/A – CELUSA, prevista para 1966, e a construção da linha de transmissão Jupiá- Mimoso – Campo Grande, que hoje iniciamos, são elementos que, com certeza, nos asseguram aquela previsão.

Não poderia, entretanto, falar nesses empreendimentos sem ressaltar a atuação do ilustre governador de São Paulo, dr. Ademar de Barros. Eles, nos dias de hoje, são entusiásticas realidades graças ao descortínio de S. Exa. que, deixando de lado egoísmos regionais, compreendeu perfeitamente o significado de Urubupungá.

 Essa obra que irá beneficiar toda a re-
gião Centro-Oeste do país, ou melhor, seis
estados da federação – Mato Grosso, Goiás,
Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná e São
Paulo – mereceu do governador Ademar de
Barros toda especial atenção, tanto assim
que, mesmo diante da difícil conjuntura eco-
nômica por que atravessa a Nação, tem
dado todo o apoio financeiro às usinas do
conjunto Urubupungá. Sim, porque além de
Jupiá, o timoneiro dos paulistas, com sua
larga experiência administrativa, já tomou as
primeiras providências para o início da hi-
drelétrica de Ilha Solteira. 
 Por outro lado, esta linha de transmis-
são, situada neste Estado, trazendo benefí-
cios unicamente para Mato Grosso, nem por
isso deixou de merecer todo o interesse de
S.Exa., que não só autorizou a sua imediata
construção como também desejou estar
presente a esta festa comemorativa como
marco de uma nova era de progresso. 

Justifica-se nossa alegria por esta comemoração. Velha e justa aspiração do Estado de Mato Grosso hoje se torna realidade.

     Os anseios dos nossos laboriosos ir-
mãos mato-grossenses têm a sua razão de
ser. No setor industrial, mormente no da me-
talurgia a existência de energia abundante
acentua a instalação de indústrias pesadas.
Esta tendência, já manifestada em São
Paulo desde 1940, com a criação dos par-
ques industriais de Moji das Cruzes, Tau-
baté, Sorocaba e Piracicaba, com as usinas
e fábricas em funcionamento, é prova inso-
fismável. Em Corumbá, por exemplo, já e-
xiste um alto forno a carvão de madeira, que
opera minério de ferro e manganês de Uru-
cum. Com energia abundante, novas indús-
trias siderúrgicas florescerão nesta vasta re-
gião, até hoje tolhida em seu anseio de ex-
pansão pela falta deste elemento de infraes-
trutura. 
 Quanto aos aspectos econômico-sociais,
deve-se assinalar que ao longo desta linha
de transmissão se dará, futuramente, a
completa integração dos que aqui vivem. 
 Foi tendo em vista estes aspectos que o
Exmo. governador de Mato Grosso, Fer-
nando Correa da Costa, tornou-se um dos
grandes baluartes na luta pela construção
do conjunto de Urubupungá, que uma vez
realizado, concretizará a sua previsão con-
substanciada na reunião de 1951 dos gover-
nadores da Bacia do Paraná e da indicação
em 1955, que pedia para a construção de
Urubupungá a prioridade nas atividades da
Comissão Interestadual que representa os
estados que a compõem. 
     Ainda o ilustre homem público que dirige
os destinos de Mato Grosso fez deste Es-
tado o terceiro acionista da CELUSA, cir-
cunstância que hoje tem a consequência
deste benefício. (BRASIL OESTE, 1964, p
22). 

A estimativa de investimento do estado de São Paulo na construção desta linha de transmissão, feita à época pelo secretário Demosthenes Martins, de Justiça e Finanças de Mato Grosso, foi de 1 bilhão de cruzeiros. (CORREIO DA MANHÃ, 17/03/1963). 

 
 

Governador Ademar de Barros, parceiro de primeira hora  

A CESP incorpora a CELUSA

 Por lei estadual de 5 de dezembro de
1966, sancionada pelo governador Laudo Na-
tel, foi criada a CESP – Centrais Elétricas do
Estado de São Paulo, que incorporou as em-
presas de energia elétrica que atuavam de
forma isolada, com a finalidade de centralizar o
planejamento e racionalização dos recursos do
Estado de São Paulo, no setor de energia. 
         O decreto nº 59.851, de 23 de dezembro
de 1966, do presidente Castelo Branco, conce-
deu autorização federal para funcionar como
empresa de energia elétrica: 
  O presidente Castelo Branco concedeu
 às Centrais Elétricas de São Paulo (CESP)
 autorização para funcionar como empresa
 de energia elétrica,  num empreendimento
 com o capital de Cr$ 923,3 bilhões, dos
 quais Cr$ 659,9 bilhões integralizados e Cr$
 263,3 bilhões a serem integralizados. 
  A CESP compreende unificação de 11
 organizações, cuja multiplicidade de servi-
 ços de serviços vinha gerando crescentes
 dificuldades, que tenderiam a se agravar
 com graves prejuízos, senão a paralisação
 do plano de eletrificação do Estado de São
 Paulo, onde a capacidade de geração atual-
 mente instalada é de 2.000.000 kw, cerca de
 25% de potência total do Brasil. (JORNAL
 DO BRASIL, 27/12/1966) 
            A CELUSA encerraria suas atividades,
passando as usinas de Urubupungá à direção
da CESP. O engenheiro Lucas Nogueira
Garcês, em cuja administração como governa-
dor de São Paulo, tudo começou, foi o primeiro
presidente da nova empresa. 

Testado e aprovado

 
Governador Abreu Sodré aciona a primeira turbina de Jupiá, acompa-
nhado pelos senadores Carvalho Pinto (ao seu lado) e Fernando Cor-
rea da Costa (o primeiro à esquerda) 

Praticamente concluída, a usina passa por seu primeiro teste oficial. Comemorando seu segundo ano de governo, em São Paulo, Abreu Sodré, em 30 de janeiro de 1969, aciona  sua primeira turbina:

Em atos presididos ontem pelo governador Abreu Sodré, foi iniciada a concretagem da barragem de Ilha Solteira e colocada em funcionamento a primeira turbina de Jupiá, obras que fazem parte do complexo hidrelétrico de Urubupungá.

 O governador, que comemora o 2º ani-
versário de sua administração, disse que
Urubupungá “é obra de integração nacio-
nal”. A barragem de Ilha Solteira estará liga-
da até 1974 a Jupiá, formando um conjunto
com capacidade de 4,6 milhões de kw, con-
siderado um dos maiores aproveitamentos
hidráulicos do mundo. (O JORNAL,31/01/
1969). 

Urubupungá chega a Campo Grande

 
 

Subestação de Campo Grande (foto G1)

Em abril de 1969, finalmente, a energia de Jupiá chega a Campo Grande. De Campo Grande estendeu-se rapidamente para as demais cidades do Sul de Mato Grosso, sendo Dourados a próxima a ser atendida, com inauguração do serviço, em 15 de maio de 1960.

 Com cerca de 140.000 habitantes e cres-
cendo vertiginosamente, a futura capital, livrava-se
da principal amarra ao seu desenvolvimento. A che-
gada, logo em seguida, da energia de Mimoso e Ilha
Solteira, consolidou definitivamente a suficiência e-
nergética  de todo o Estado. 

Era o fim de um pesadelo centenário e o início da efetiva construção de um Estado sem barreiras para alcançar o seu futuro.

Era governador do Estado, em fim de mandato, o engenheiro Pedro Pedrossian, cujo empenho para realização do projeto, foi fundamental, e prefeito do município, o advogado Plinio Barbosa Martins.

BIBLIOGRAFIA

Jornais e revistas

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CORREIO PAULISTANO, 1951, 1960, 1961

DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Rio de Janeiro, 1956, 1959

JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 1957, 1961, 1962, 1966

JORNAL DO COMÉRCIO, Campo Grande,

1923, 1933,

MANCHETE, Rio de Janeiro, 1969

O ESTADO DE MATO GROSSO, 1942, 1956, 1959

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Campo Grande (2ª edição), Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, Campo

Grande, 2008

MARTIN, Jesus H., A, A História de Três Lagoas, edição do autor, Três Lagoas, 2000.

MARTINS, Demosthenes, A poeira da jornada,
edição do autor, Campo Grande, 1980 
 
 
 
 

 Ao raiar da segunda década do século XX, com uma população beirando mil pessoas, o intendente José Santiago, adquiriu 50 lâmpadas a querosene. É de 1910 a primeira legislação relativa ao sistema de iluminação pública de Campo Grande. Trata-se de uma lei, de iniciativa do vereador Enoque Vieira da Almeida, limitando em 30 o número de lampiões, oferecidos pelo comércio e dispondo de crédito de 500 mil réis para o custeio do serviço. 

Cinco da tarde em ponto, o velho Janjão, iniciava a sua rotina diária. De domingo a domingo, dia santo e feriado, lá ia Joaquim Vieira da Almeida, escada no ombro, lata de querosene na mão, abastecer o  acender  os  poucos lampiões que iluminavam, com sua luz tímida, o centro da vila florescente. 

Durante o dia, seu Janjão, era fiscal da prefeitura. Antes de emancipação, ainda no tempo em que Campo Grande ainda era distrito, chegou a ser farmacêutico, sub-delegado de polícia do distrito e escriba do povoado, tendo sido autor de inúmeras petições em defesa dos poucos habitantes.

Com o tempo, seu Janjão aposentou-se como funcionário burocrático, mas manteve a função de acendedor de lampiões, a qual exerceu até a morte. Logo em seguida ao seu falecimento, mudava também o sistema de iluminação pública da cidade.

Nos tempos da iluminação a querosene, o centro privilegiado pelo serviço correspondia ao setor comercial, concentrado na praça central, que já foi praça Presidente Costa Marques e Imigrantes, no final da atual 26 de Agosto (antiga rua Velha) e início da Barão de Melgaço.

Na praça central estavam estabelecidos o armazém do Sebastião Lima, que atendia a fazendeirama de toda a região e a pensão Bentinho, a mais popular da vila empoeirada. Sebastião Lima, além da bolicheiro era também o banqueiro e chefe político. A pensão Bentinho além de pousada e restaurante, dispunha de currais, onde os compradores de gado guardavam as suas boiadas negociadas aos pecuaristas, até tomar o rumo de Minas, Goiás e São Paulo, destinos mais indicados.

Descrevendo a cidade em 1912, por ocasião da visita do governador Costa Marques ao Sul de Mato Grosso, o advogado Eduardo Olímpio Machado, que viria a ser prefeito do município, mostrou o seu aspecto “interessante e agradável à vista do viajante”.

O seu casario alegre e de feitio moderno, ainda um tanto esparso, surgiu na bifurcação dos córregos “Prosa” e “Segredo” e agora vai-se estendendo em terreno ligeiramente inclinado até o alto de aprazível colina, d’onde descortinam magníficos panoramas.

As ruas e praças que obedecem a um inteligente traçado, são amplas, tendo duas avenidas – uma com 1.200 metros de comprimento por 50 de largura, e a outra de 600 por 28 metros – tudo em via de arborização. A praça principal está sendo ajardinada e será em breve dias um formoso logradouro público.

 Sobre a iluminação pública, Machado informou que “as artérias principais de trânsito são iluminadas com luz de querosene, porém, já está aberta a concorrência para a iluminação elétrica”. (MACHADO, 1914, p 410)

Seu Janjão  acendia a todos os candeeiros em poucas horas. As luzes permaneciam acesas até a queima total do combustível, devidamente dosado pelo velho, para evitar desperdício aos cofres públicos e durar até o clarão do dia.

“Com a morte de Janjão – resume o cronista – Joaquim Boaventura de Almeida passou a exercer a mesma função”, (MACHADO,

2008, p 122) até 1915, com a chegada da energia elétrica. 

Joaquim Vieira de Almeida (Janjão), o primeiro acendedor de lampião a querosene da vila de Campo Grande (Foto: reprodução de Paulo Coelho Machado)

Bolicho do Sebastião Lima, principal casa comercial de Campo Grande e a Pensão Bentinho, os dois maiores estabelecimentos da praça central da cidade, primeiro logradouro beneficiado com a iluminação pública.

A era da eletricidade

Locomóvel de Antonio Veronezzi e irmãos, o pioneiro em energia elétrica em Campo Grande

As primeiras notícias que se tem sobre a chegada da energia elétrica em Mato Grosso datam de 1895. A novidade desembarcou em Cuiabá e foi recebida com natural rigozijo da população, devidamente registrado pelo principal jornal da capital:

     O poderoso invento de Edson foi pela primeira vez  posto em evidência na capital de Mato Grosso, e não foi sem assombro, aliás muito natural, que grande parte da nossa população o admirou, no que lhe achamos razão, por isso que, além de ser um invento prodigioso e realmente admirável, ainda mais extraordinário devia necessariamente parecer  aos  olhos dos  que apenas conhecem como um grande melhoramento nos diversos sistemas de iluminação a gasolina; sistema que para uma cidade modesta, como a nossa, já era na realidade uma grande novidade, um grande avanço e um melhoramento de inestimável valor. 

O mesmo jornal lamentava o fato da experiência não ter passado de três meses. O proprietário do gerador, instalado na atual praça Alencastro, não conseguiu entender-se com a municipalidade, na questão de custos e a cidade voltou a amargar a paliativa e ineficiente iluminação à base de lampião a querosene. (O REPUBLICANO, 21/11/1895).

A energia elétrica chegaria à capital do Estado somente no final da década de 10, do século passado, tendo sido inaugurada oficialmente em 19 de agosto de 1919, pelo governador D. Aquino Correa, que dá a notícia atualizada, em sua mensagem à Assembleia no ano seguinte:

     Com as instalações hoje existentes nos edifícios públicos e particulares, atingiu-se o limite de carga para a caldeira da usina termoelétrica, e não sendo possível enfraquecer mais a intensidade primitiva da luz, torna-se urgente promover, de acordo com as

cláusulas do respectivo contrato, a montagem da usina no salto do rio da Casca, afim de completar a iluminação pública e satisfazer a numerosas solicitações de particula-
res. 

O governo tem amparado de maneira a mais benévola esta empresa, dada a sua grande importância e as notórias condições locais, que enormemente a dificultam”.

 (CORREIA, 1920, p 109).

Em Campo Grande a novidade  chegou em 1915. Neste ano o município abriu a concorrência para iluminação pública da cidade. A licitação habilitou  a Empresa de Eletricidade A. Veronezzi e Irmãos. No início das operações, o conjunto era movido a gás podre, com 40 hp de potência, para cuja instalação foram contratados técnicos em São Paulo à frente Felicianno Pinheiro.

A usina localizou-se na rua 26 de Agosto. O funcionamento era de 4 horas por dia, das 18 às 22 horas.

“As falhas diárias, cortes, interrupções, panes, a luz era fraca e piscava muito”, mesmo assim – segundo o cronista – “os moradores da época receberam a novidade com muita alegria e orgulho. Era a segunda iluminação elétrica do estado, eis que Corumbá já a possuía”. (MACHADO, 2008, p 122).

José Santiago, o intendente pioneiro em iluminação elétrica (foto: Câmara Municipal de Campo Grande).

Maria-fumaça e poste de luz, a fórmula do desenvolvimento econômico e social.

A hidrelétrica

Rua 14 de Julho e os primeiros postes, em 1920

Em 1897 era inaugurada nos Estados Unidos a Niágara Falls, primeira hidrelétrica do mundo com sistema de conversão de hidroenergia em energia elétrica. No Brasil, o pioneirismo coube ao empresário Bernardo Mascarenhas, de Juiz de Fora, Minas Gerais. A sua hidrelétrica, batizada como Marmelos, foi instalada no rio Paraibuna, com potência de 4 MW, o que, em 1888, quando entrou em funcionamento, atendia satisfatoriamente, as indústrias têxteis do empresário e fornecia a eletricidade e iluminação pública de Juiz de Fora, antes alimentada a gás. 

Campo Grande, que passou do querosene à energia termelétrica, encontrou na hidreletricidade, uma alternativa para seu sofrível sistema de luz e energia, representado pelo velho locomóvel da rua 26 de Agosto. Na entrada da década de 20, do século passado, com cerca de oito mil habitantes em sua zona urbana, Campo Grande, impulsionado pelo transporte ferroviário, indicava uma tendência de crescimento acima do normal e padecia com a insuficiência de energia mesmo para sua iluminação. A situação era periclitante. O prefeito Arlindo de Andrade Gomes, que por vezes criticou a precariedade do serviço prestado por Antonio Veronezzi e irmãos, era entusiasta da ideia de aproveitamento dos recursos hídricos na geração de força e luz. Em 1922, anunciou para o ano seguinte, a instalação de “grande usina hydro-eléctrica, com uma reserva inicial de 400 H.P. para as indústrias” (GOMES, 1922, p. 77). 

A esta altura um grupo paulista, já iniciava a obra do usina do Ceroula, nos arredores de  Campo Grande. O engenheiro Kerman José Machado, em seu artigo sobre a evolução do sistema de energia elétrica de Campo Grande, dedica um capítulo à novel Companhia Matogrossense de Eletricidade, com sede na capital paulista:

  A CME fez parte de um grupo de pequenas empresas geradoras de energia, organizadas por volta dos anos 20, que incluía a Companhia Geral de Eletricidade e outros serviços locais, na região de Casa Branca e Mococa, no interior do Estado de São Paulo, tendo o engenheiro Cincinato Salles de Abreu, de tradicional família paulista, como seu acionista majoritário. (…)

Após a paralisação do locomóvel Veronese entrou em operação a usina, com cerca de 300 quilowatts (KW), aproveitando uma queda de 70 metros nos aparados da serra na região do Inferninho, próximo à fazenda do Dr. Vespasiano Barbosa Martins, com uma pequena barragem de regularização diária para o 0,7 m²/seg, turbinado pelo conjunto Pelton Voigt/Siemens e um sistema de 11,4 kV com cerca de 15 quilômetros, transmitindo e distribuindo a partir de um prédio da empresa à rua General Rondon, esquina da avenida Calógeras, de onde derivavam os alimentadores e se situavam as balanças de série da iluminação pública de 2,2 kV. (MACHADO, 1999, p 149)

Arlindo de Andrade Gomes, o segundo da esquerda para a direita (sentado). O prefeito na entrada de Campo Grande na era da hidreletricidade

Empresário Manoel Secco Thomé, investindo em energia

CME, o bom começo

Turbina da usina hidrelétrica do córrego Ceroula

 Na manhã de 13 de abril de 1923, uma pequena multidão lotou a casa de máquinas da usina para prestigiar o ato histórico da inauguração da obra, construída em tempo recorde. Os dirigentes da empresa e convidados, o prefeito Arlindo Gomes todos os vereadores e gente do povo cantaram o Hino Nacional.

Campo Grande acabava de alcançar alto grau de modernidade urbanística e sóbria expectativa de crescimento econômico.

 A imprensa, que cobriu o evento, teve a preocupação de percorrer o espaço que, em pouco tempo, seria pequeno para atender a demanda do progresso que chegou na trilha dos pioneiros e se consolidou nos trilhos da estrada de ferro.

Poucos dias antes da inauguração, a convite da direção da empresa concessionária, a reportagem do Jornal do Comércio esteve no canteiro de obras e deu detalhes sobre o relevante investimento:

 Para darmos aos nossos leitores uma
boa ideia geral do adiantamento dos impor-
tantes serviços que para este fim estão
sendo executados pela Companhia Mato-
grossense de Eletricidade Limitatada, apro-
veitamos a gentileza do convite do ilustrado
e competente advogado da companhia, sr.
dr. Arlindo Lima, para uma visita às grandes
obras que estão sendo ultimadas no ribeirão
Ceroula. Assim, às nove horas de quinta-
feira última, chegávamos no automóvel da
empresa, ao posto em que foram feitos os
serviços de barragem, um trabalho sólido e
perfeito. Desse posto, percorremos a pé o
longo canal que conduz a água da represa
à usina, numa extensão aproximada de um
quilômetro. Nesse canal fez a empresa
construir uma comporta para a descarga da
areia acumulada, verdadeira obra de arte,
elegante e de custo apreciável. Mais adiante
fomos encontrar a caixa d’água que despeja
canalizada, de uma altura de 75 metros, a
água para a enorme turbina, de força de 400
H.P. Há ainda no trecho compreendido da
grande caixa d’água à usina, o plano incli-
nado mandado construir especialmente pa-
ra a condução de materiais. 
 Descemos, por fim ao ribeirão, onde, na
sua margem direita, foi construída a usina
que está recebendo os últimos retoques. Lá
encontramos já assentados todos os apare-
lhos necessários ao seu funcionamento, co-
mo sejam: gerador, turbinas, reguladores
automáticos, transformadores monofásicos
com capacidade de 100 klw cada um, para
2.300 a 11.000; um grande quadro para
transformadores com interruptores para o
gerador, quadros de distribuição com inter-
ruptores automáticos, voltímetros e demais
aparelhos, para-raios, telefone, etc. Vimos
ainda uma grande galeria subterrânea para
a descarga da água das turbinas. 
     A empresa  não  se  descuidou da insta-
lação de seus empregados. Para isso ela
fez construir três confortáveis casas, de es-
tilo moderno, para os encarregados dos ser-
viços da futura usina. 
     Só mesmo através de uma visita como fi-
zemos, poder-se-á avaliar o esforço, a ca-
pacidade de trabalho e o dispêndio da nossa
Companhia de Eletricidade, que, digamos
de passagem, não tem medido sacrifícios
para levar avante o vultoso empreendi-
mento. Para isso, é verdade, que a compa-
nhia conta com verdadeiros abnegados co-
mo o dr. Arlindo Lima, que vem desenvol-
vendo a sua conhecida atividade, providen-
ciando tudo quanto necessário à importante
obra, e um grupo de dedicados auxiliares
como os senhores Constantino Junqueira,
gerente, Feliciano Pinheiro e o eletricista-
chefe Virgílio Polo, da Companhia francana.
     Podemos assegurar, pelo que nos foi
dado ver, que a nossa cidade terá um ser-
viço de luz e força perfeitas, capaz de aten-
der as suas maiores necessidades”.(JOR-
NAL DO COMERCIO,13/04/ 1923) 
 
Jornal do Comercio, único órgão de imprensa da comarca e
o destaque à obra concluída 
 

Turbina da hidrelétrica do Ceroula

CME e os bons tempos

 
 
 

Tendo iniciado suas atividades em Campo Grande, em 1923, a Companhia Matogrossense de Eletricidade, além de estender a rede por toda a cidade, por produzir, inicialmente, energia em excesso, passou a estimular o consumo, incentivando a implantação de indústrias e a utilização de equipamentos domésticos, os quais a própria empresa revendia. A expansão foi surpreendente e a cidade, pela qualidade de vida disponibilizada, a facilidade de emprego e de negócios, criou invejáveis perspectivas para a empresa.

 São de Kerman Machado os seguintes
dados: 

Sem outras referências ou informações, em 1924, a população campo-grandense deveria estar entre oito e dez mil habitantes num mercado elétrico que, além de pequeno, era predominantemente de cargas residenciais, de iluminação e dos primeiros ferros de passar, com baixas demandas matutinas de consumos domésticos e talvez uma de maior porte no pique de iluminação noturna.

As demandas comerciais eram sem cargas de refrigeração e a Circunscrição Militar, antecessora da 9ª. Região Militar caracterizava-se como a maior consumidora à data, com a iluminação dos quartéis.

Cargas maiores, representadas pelas antigas máquinas de beneficiamento de cereais, eram quase todas acionadas por locomóveis, queimando cascas de grãos e fora do consumo suprido pela CME. Exceção era uma máquina de fabricação de gelo, trazida de Corumbá, com seu compressor de amônia, suprido pela rede pública. ( MACHADO, 1999, p 149).

                  O sucesso da iniciativa em Campo
Grande, impulsionou a companhia a expandir
suas atividades para outras praças. Em 1928
passou a explorar o serviço de eletricidade em
Aquidauana e em 1933 adquiriu a Companhia
de Eletricidade de Corumbá, aquisição deci-
dida em assembleia geral da empresa, reali-
zada em Campo Grande, onde, além de assu-
mir a concessão de Corumbá, a CME decidiu
por substancial aumento de capital, “elevado a
10 mil o atual número de ações de valor nomi-
nal de duzentos mil réis cada uma, formando
assim um capital social de dois mil contos de
réis”. Esse aumento de capital deveria ser “apli-
cado em aquisição de novos serviços, torna-se
necessário autorizar o sr. Diretor-gerente a
contrair um empréstimo por debentures, letra
ou outra qualquer modalidade dentro dos limi-
tes fixados por lei para prosseguimento das re-
des de distribuição, aumento de capacidade
das atuais instalações, desenvolvimento da ati-
vidade da companhia dentro deste Estado e se
o empréstimo for conseguido em condições
mais vantajosas, também para resgatar as de-
bêntures já em circulação”. (JORNAL DO CO-
MÉRCIO, 04/11/ 1933). 
                                                                     Os recursos do aumento de capital e os
financiamentos bancários foram investidos em
Corumbá, Aquidauana e em três novas hidrelé-
tricas em Campo Grande, o que assegurou o
“equilíbrio entre geração e consumo, já nos
anos 30 era mantido com a instalação da Usina
Botas 1, na fazenda Anglo, em ligação com
duas unidades Voigt/Siemens usadas e trazi-
das do interior de São Paulo. Uma com 200,
outra de 250 kW, sob queda de 20 metros e va-
zão da ordem de 4,00 m¹/seg do rio Botas”. Se-
gundo, ainda Kerman Machado: 

A única unidade geradora adquirida de fábrica pela CME veio a ser a do Botas 2, conjunto francês de fabricação Letfel/GE que operou continuamente entre 1942 e 1966, quando veio a ser posta em reserva, ou atuando em carga básica no corte das horas de operação a Diesel. 

           A aparente solidez do negócio terminou
atraindo empresários e capitalistas locais, que
adquiriram ações da companhia, entre eles Ma-
noel Secco Thomé, Eduardo Santos Pereira e
Olímpio Machado. Este, que mais tarde seria
prefeito de Campo Grande, chegou a ocupar a
gerência local da empresa. 
            Superada a crise financeira internacio-
nal  de 1929, verificou-se na “virada da década
de 30 – segundo Kerman Machado – grande
incremento populacional à região e sensível
melhora nos padrões socioeconômicos anteri-
ores à crise de 1929”. 
 Surgidos ao longo da década de 30,
“progressivamente melhoraram o fluxo e o vo-
lume dos recursos em circulação na economia
regional, diversificando a aplicação de novos
investimentos. Como consequência houve um
aumento da área residencial já com outros pa-
râmetros de utilização elétrica, como os novos
eletrodomésticos surgidos e acessíveis na área
de refrigeração e calefação, e também no porte
das instalações comerciais e na condição de
apresentação de seus produtos cada vez exi-
gindo maior presença de energia elétrica, inclu-
sive na indústria de beneficiamento”. (MA-
CHADO, 1999, p 150). 
 

O automóvel chegou junto com a energia elétrica

 
Kerman José Machado, diretor da Cemat, testemunha ocular da histó-
ria da energia em Campo Grande e Mato Grosso 
 
 
Eduardo Olimpio Machado, gerente da CEM em Campo Grande e aci-
onista da empresa 

Uma guerra no meio do caminho

 
 

Corumbá, uma concessão mal sucedida

 A segunda guerra mundial (1939-1945)
foi uma pedra no caminho da Companhia Mato-
grossense de Eletricidade. Durante o confronto
internacional, a situação mais dramática ocor-
reu em Corumbá, por causa da escassez de
combustível. As consequências para Campo
Grande vieram a partir do final do conflito, se-
gundo Kerman Machado, para quem a “CME
não deve ter dado a importância devida à sua
área de mercado, não apostando em suas cur-
vas, que passaram a ter inflexões exponencia-
is, não se preparando para resolver por solu-
ções hidrelétricas os acréscimos que se segui-
am à vitalidade econômica da região”. (MA-
CHADO, 1999, p 151). 

O potencial híbrido de Campo Grande, totalmente explorado, não resistia à crescente demanda e, mesmo com o auxílio de grupos geradores, não conseguiu a empresa garantir o fornecimento à cidade, então com cerca 60 mil habitantes.

Para completar o caos, aumentaram os racionamentos em Corumbá, cuja repercussão já alcançava o Estado inteiro no auge da guerra:

“Estamos aqui sob racionamento de energia elétrica, pois sendo a usina local acionada por motores a óleo cru, e não tendo a Companhia Matogrossense de Eletricidade, apesar dos esforços empregados para tal fim, conseguido novos estoques de petróleo, adotando-se rigorosas medidas no sentido de economizar os estoques existentes que são limitadíssimos. O regime atual é de interrupção das 24 horas até as 5 da manhã e das 11 até as 13, mas a perspectiva é de extinção total da luz, assim que se esgotarem as reservas de combustível da Cia. de Luz.

 A população já se prepara para remediar
a situação, lançando mão dos lampiões a
carbureto, como há 50 anos atrás! Mas o
povo está mais apreensivo é com a água
que falhando a energia, não poderá mais ser
distribuída à população. As indústrias locais
vão também ficar paralisadas. Está-se em
alguns casos, procurando remediar a situa-
ção com o gasogênio. As autoridades estão
estudando a possibilidade de trazer petróleo
da Bolivia. Há, como se sabe, grandes re-
servas de petróleo no país vizinho e por pre-
ços irrisórios. Os engenheiros da Comissão
Mista estão trabalhando para esse fim, com
a colaboração das autoridades estaduais e
municipais e o auxílio e boa vontade do Ita-
marati e do Ministério do Exterior da Bolívia.
A situação é grave, mas todos os esforços
são conjugados no sentido de se contornar
as dificuldades existentes. (O ESTADO DE
MATO GROSSO, 08/08/1942). 

Como se não bastassem os impactos da guerra, a companhia viu-se às voltas com percalços fiscais como o aumento do imposto de renda, reajustes salariais e o indeferimento por três anos seguidos de requerimentos de aumento de tarifas. Esta situação teria levado a sua direção, a sugerir a devolução  da concessão:

 Se as Municipalidades ou o Estado
podem proporcionar energia elétrica nas
condições vigorantes até agora, por dis-
porem da faculdade de lançar impostos,
então devem exercer o direito de eman-
cipação, que lhes é assegurado na cláu-
sula décima do contrato acima referido .
(TRIBUNA, CORUMBÁ, 22/02/1949). 
 
Matadouro Público e máquina de beneficiamento de arroz: a indústria
nascente com a energia insufciente 
 

A Companhia e sua lenta agonia

 
 
 

Presidente Café Filho, a primeira ameaça à Companhia

A Companhia Matogrossense de Eletricidade nunca atingiu um nível ideal de satisfação entre seus consumidores. Corumbá, como vimos, sempre foi o foco de maiores insatisfações, mas Campo Grande, mesmo no início de suas atividades, em 1923, não chegou a ser uma cidade plenamente atendida, registrando seguidos protestos, a princípio isolados e, no limiar da última metade do século, generalizados:

 Continua intenso o movimento  nesta ci-
dade contra a escravização a que vem sen-
do submetida a população por parte da
Companhia Matogrossense de Eletricidade,
tendo o governador do Estado telegrafado à
Comissão das Classes Conservadoras indi-
cando o seu representante oficial para as
conversações na Capital Federal, deputado
João Ponce de Arruda. Toda a imprensa lo-
cal colocou-se ao lado do povo, tendo inici-
ado violenta campanha contra a Cia. Mato-
grossense de Eletricidade. (CORREIO DA
MANHÃ, RJ, 25/11/1949). 

A crise que assolava Campo Grande e Corumbá era preocupação também nos grandes centros do país, que se ressentiam do racionamento de energia elétrica. A gravidade do fato levou a Câmara dos Deputados a instituir uma CPI para investigar as causas da ocorrência. Um dos depoentes da comissão parlamentar foi o engenheiro Cincinato Salles de Abreu, diretor da Companhia Matogrossense de Eletricidade:

 Na qualidade de técnico, o senhor Cinci-
nato de Abreu fez uma longa exposição.
Disse que a atual crise de energia elétrica
provém da insuficiência das atuais instala-
ções, agravada com a demora na execução
dos projetos de ampliação. A crise se pro-
cessa de longa data, dirigindo-se os esfor-
ços de todos no sentido de impedir a acen-
tuação do “déficit” que, apesar disso, vai au-
mentando. A essas dificuldades, soma-se a
falta de estatísticas e de dados relativos à
produção e ao consumo, que são maneja-
das privativamente pelas empresas e auto-
ridades controladoras. 

Depois de demonstrar que o Código em vigor não foi empecilho para a triplicação das instalações atribuindo-se a escassez à carência de recursos, criticou a administração pública, que disse, põe a indústria na dependência de uma emperrada burocracia e de uma Divisão de um Departamento de um Ministério, “dirigido, via de regra, por um ministro político, que durante seu breve estágio nem sempre chega a se inteirar de assuntos especializados como esse. Como pode um Conselho ter atribuições técnicas e jurídicas sobre assunto especializado, se seus membros não dispõe de tempo integral para especializarem-se com a matéria a ser resolvida”?

Sob outro aspecto, declarou que o custo histórico constitui um sério embaraço, como base de avaliação dos bens da empresa. A remuneração do capital não deve estar adstrita nos termos do artigo 9º do decreto-lei n. 3,128, de 19-3-41. Além disso, ninguém irá empregar suas economias em empreendimentos em Mato Grosso ou Goiás, quando a faixa de rendimento é a mesma do Rio e de São Paulo.

 Depois de mostrar outros sérios incon-
venientes da atual legislação afirmou que,
para acabar com o racionamento, que tanto
aflige a população das zonas da concessão
da Light e da Bond Share, concentradas
numa área equivalente a 3% do total do
país, é preciso dar meios às 1.500 empre-
sas nacionais de ampliar suas instalações,
a fim de criar disponibilidades que as indu-
zam a estender suas linhas para as localida-
des vizinhas e, sobretudo, para a zona rural.
 O sr. Cincinato de Abreu terminou suas
considerações apresentando à Comissão
um anteprojeto de lei, em que sugere a cria-
ção de uma Comissão Nacional de Energia
Elétrica, composta de cinco membros nome-
ados pelo presidente da República. (COR-
REIO DA MANHÃ, RJ, 28/11/1952) 

A situação agravou-se e as autoridades de Campo Grande decidiram solicitar do presidente da República o fim da concessão à Companhia Matogrossense de Eletricidade. Com efeito, comissão, à frente o governador Fernando Correa da Costa e o prefeito Marcílio de Oliveira Lima, esteve no Rio de Janeiro, em 1955, para audiência com o presidente Café Filho, de quem recebeu a promessa formal de apoio à reivindicação. A esta altura a população de Campo Grande, num movimento espontâneo, já havia subscrito mais de 7 milhões de cruzeiros para auxiliar o governo na encampação da empresa. (CORREIO DA MANHÃ, RJ, 27/03/ 1955).

No auge da pressão contra o racionamento em Campo Grande, a CME ainda tentou uma saída de emergência, descrita por Kerman Machado:

Fiel ao seu princípio operacional de utilizar-se de equipamentos reinstalados, a CME adquiriu um conjunto Diesel de 1.250 kVA, MAN/Wulfel/Siemens composto pela unidade motriz recuperada de um submarino alemão que se rendera no Canadá, ao qual foi acoplada uma caixa multiplicadora 400/1.200 rpm e um gerador de 6,6 kV de saída.

 Sua operação foi uma série de equívo-
cos e quebras frequentes com um problema
de desabamento e desnível entre o motor, a
caixa multiplicadora e o gerador. Sobretudo,
pesavam sensivelmente as dificuldades de
obtenção de peças sobressalentes, já que
se tratava de um motor de projeto militar,
fora da linha comercial da MAN. 

Progressivamente, suas peças entraram em desgaste total e não foi mais possível ultrapassar os 50% de sua potência de placa, não obstante os trabalhos de manutenção realizados todos as madrugadas. (MACHADO, 1999, p 151).

A Comissão de Emancipação

 
 

Marcilio de Oliveira Lima, prefeito e líder da comissão de emancipação

 Em 1955 é criada a comissão de eman-
cipação do sistema, em Campo Grande, à fren-
te o prefeito Marcílio de Oliveira Lima e inte-
grada, entre outros, pelo então governador Fer-
nando Correa da Costa e o empresário Hum-
berto Neder, dirigente da companhia telefônica.
No Rio, a comissão obteve a promessa do pre-
sidente Café Filho, de empenhar-se pela esta-
tização. Em 1956, com a posse de JK, na pre-
sidência da República, as esperanças da Co-
missão foram duplicadas a partir da posse no
governo do Estado de João Ponce de Arruda,
que mostrou-se sensível à causa: 
  A questão da energia elétrica em
 Campo Grande foi estudada nos seus
 vários aspectos havendo o governador
 Ponce de Arruda ouvido atentamente
 longa exposição feita pelos membros da
 Comissão Pró-Emancipação. Foi estu-
 dada a maneira como se conseguir ver-
 bas para a construção da usina de Mi-
 moso; aventou-se a ideia de formação
 de uma sociedade de economia mista
 para gerir a empresa, caso não se pre-
 fira o controle estatal; falou-se na cons-
 trução das centrais elétricas. 
  Por fim, os membros da Comissão
 Pró-Emancipação fizeram sentir ao go-
 vernador Ponce de Arruda o propósito
 de não desistir, sob nenhuma hipótese,
 da ideia esposada sobre a caducidade
 do contrato e a consequente encampa-
 ção dos bens da Companhia Matogros-
 sense de Eletricidade. 
  O governador Ponce de Arruda disse
 claramente e de modo a não deixar dú-
 vidas quanto a sua atuação no caso, que
 está de pleno acordo com o movimento
 iniciado em Campo Grande, e que agora
 no Rio de Janeiro, envidará todos os es-
 forços para que seja imediatamente de-
 cretada a caducidade do contrato e a en-
 campação da Companhia Matogrossen-
 se de Eletricidade. (O ESTADO DE
 MATO GROSSO,14/03/1956). 

Menos de 5 meses, após a reunião com a comissão em Campo Grande, o governador Ponce de Arruda dava o primeiro passo para atender a reivindicação da cidade. Em 4 de agosto de 1956, pela lei 832/56 criou a Cemat- Centrais Elétricas de Mato Grosso S/A. 

Em 5 de dezembro, o presidente Juscelino Kubitscheck assinou o decreto extinguindo a concessão da Companhia Matogrossense de Eletricidade para “fornecimento e energia elétrica ao município de Campo Grande, em Mato Grosso”:

 Os aproveitamentos de energia hidráu-
lica, usinas, redes de transmissão e distri-
buição e demais instalações da Companhia,
necessários à operação e manutenção do
serviço passarão ao controle da Prefeitura
Municipal de Campo Grande, sem prejuízo,
entretanto, de qualquer reparação patrimo-
nial a que, porventura tiver direito a conces-
sionária. A eventual indenização será paga
pela Prefeitura Municipal. 

Ao declarar a caducidade a concessão, observa o decreto, a referida empresa vem faltando, há longo tempo e reincidentemente, conforme comprovado em processo administrativo, às obrigações contraídas, infringindo dispositivos legais e oferecendo péssimo serviço à população. (DIARIO DE

NOTÍCIAS, 06/12/1956)  

 Finalmente, em julho de 1957, a comis-
são que geriu a campanha de emancipação
ocupou as instalações da CME, “num ato que
para uns foi de discutível legalidade e para ou-
tros extremamente apropriado, forçando o go-
vernador João Ponce de Arruda a adquirir o
controle patrimonial da empresa em escritura
lavrada, sob a orientação do Dr. Heitor Medei-
ros e mais tarde transferir essas propriedades
para a Cemat”. (MACHADO, 1999, p 152). 
 
 
Governador Ponce de Arruda e presidente JK, pá cal na concessão
(foto revista Brasil Oeste) 

A crise não caducou

 
 
Prefeito Wilson Martins, à sua direta os empresários Chiquinho Pa-
lhano, Nerone Maiolino e Humberto Neder, comandando a “Campanha
da Vergonha”. (foto: reprodução do livro de memórias de Wilson Mar-
tins 
 A criação da Cemat, a ocupação das ins-
talações da CEM pela população, a transferên-
cia da responsabilidade do serviço para o go-
verno do Estado e as medidas paliativas ado-
tadas para mitigar os prejuízos dos raciona-
mentos recorrentes, não foram suficientes para
conter a insatisfação dos consumidores. 
 O interesse e o desempenho do gover-
nador Ponce de Arruda não foram o bastante
para amenizar a crise energética de Campo
Grande, o que levou à revolta empresários e
moradores da cidade, então com 95.000 habi-
tantes, a intensa mobilização política contra a
persistência dos racionamentos e apagões. 

Encabeçado pelo prefeito Wilson Barbosa Martins e com grande apoio da imprensa, o movimento realizou a marcha dos lampiões e uma greve geral, organizada pela Associação Comercial, que paralisou a cidade na segundafeira, 9 de maio de 1960, ponto culminante do que foi para a História como Campanha da Vergonha. (O ESTADO, 08/05/1960).

Ano eleitoral, 1960, os apagões tiveram um forte sopro político. O mais importante componente eleitoral dessa quadra foi o comício de Jânio Quadros em Campo Grande, cuja passagem foi marcada pelo simbolismo de o candidato oposicionista ser desta cidade. O trecho mais aplaudido de seu discurso referia-se ao mais crucial problema do Estado:

 No governo da República colaborarei
para que a usina de Mimoso seja construída
em tempo rapidíssimo, em ritmo de trabalho
igual ao de Brasília. Uma das condições es-
senciais para a colonização – necessidade
impostergável de Mato Grosso – é a existên-
cia de energia elétrica abundante e barata.
Por coincidência, nesta data de aniversário
de Campo Grande, estão sendo inaugura-
das nas barrancas do rio Paraná as obras
de Urubupungá. Elas representarão a abso-
luta independência em matéria de energia
desta região do Centro-Sul, de Goiás, do
Triângulo Mineiro, do Oeste paulista e do
Noroeste paranaense. E a usina de Urubu-
pungá, por coincidência também está situ-
ada no lado mato-grossense do rio Paraná.
Ela já se converte em realidade. (DIARIO
DE NOTÍCIAS, 28/08/1960) 
 
 
Imprensa nacional cobre visita de Jânio a Campo Grande e futuro pre-
sidente promete investir em Mimoso e Urubupungá 
 
 

1957, chegada da telefonia aumenta a demanda de energia  

Mimoso, reação tardia

 
Hidrelétrica de Mimoso, em construção, depois da estatização (foto O
Cruzeiro) 

A CME não cedeu às pressões iniciais e antes da caducidade formal, ainda tentou amenizá-las, com  o aproveitamento da energia hidráulica do salto Mimoso, no município de Ribas do Rio Pardo, desengavetando um projeto antigo, do qual participou o então estudante de engenharia elétrica, Kerman José Machado:

 Em 1946, os engenheiros Durval de Sal-
les Fragnani e Cândido Rondón, equipe da
qual fui estagiário, realizaram estudos topo-
gráficos e hidrológicos na região do Salto do
Mimoso no rio Pardo, prevendo uma usina
da ordem de 10 mil kW, porém, não levaram
avante o projeto. (MACHADO, 1999, p 151).

Grande demais pra ser verdade

Presidente Dutra tentou, mas não conseguiu salvar a concessionária (foto FGV)

         Dois anos depois, pressionada pelas au-
toridades e pela opinião pública, a Companhia
recorreu ao governo federal de quem conse-
guiu autorização para explorar energia do salto
de Mimoso, no rio Pardo, através do decreto
25.403, de 30 de agosto de 1948.  
 Procurando agregar confiabilidade à sua
capacidade empreendedora, diante da crise
pronunciada no embalo da concessão federal,
a CME  pleiteou vultoso empréstimo internacio-
nal, junto ao International Bank for Reconstru-
tion, dos Estados Unidos, através da Comissão
Mista Brasil-Estados Unidos para implementar
o audacioso projeto da usina de Mimoso. A pri-
meira etapa do processo burocrático foi alcan-
çada com a autorização do Congresso para ga-
rantia do governo à transação pleiteada. Em 7
de dezembro de 1950, o presidente Eurico
Gaspar Dutra sancionou o decreto do legisla-
tivo, abonando pelo Tesouro Nacional, o em-
préstimo de até 3 milhões de dólares, solicitado
pela companhia. 

O próximo passo foi a articulação com a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, a quem cabia encaminhar a tramitação do processo. Quase dois anos depois, em 1º de dezembro de 1952, o presidente Getúlio Vargas aprovou o documento da citada comissão, num ato que mereceu generosos espaços da imprensa nacional:

O presidente da República aprovou a recomendação da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos no sentido da obtenção de financiamento, em moeda estrangeira, até um milhão e 600 mil dólares, para a ampliação e reequipamento da Companhia Matogrossense de Eletricidade.

 O projeto visa a proporcionar condições
de progresso econômico e bem-estar social
à região sul de Mato Grosso e à sua popula-
ção. O governo dará as garantias necessá-
rias para a obtenção do empréstimo e ree-
xaminará o problema das tarifas. 

O presidente determinou o envio do processo ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico para que ali se estudem as sugestões relativas ao financiamento em cruzeiros.

O material a ser adquirido pelo empréstimo vai ser utilizado nas seguintes obras: construção de uma usina hidrelétrica de 9.000 kw em Mimoso; instalação de mais um grupo Diesel-elétrico de 1.000 kw em Campo Grande; instalação de um gerador de 1.500 kw, acionado por turbina a vapor, em Corumbá; instalação de subestações e ampliação simultânea das redes distribuidoras dos três sistemas.

Constitui o projeto em questão um programa de urgência com o fim de proporcionar maior potência de energia e mais instalações de transmissão e distribuição à Companhia Matogrossense de Eletricidade que é a única concessionária do aproveitamento e fornecimento de energia elétrica de Campo Grande, Aquidauana e Corumbá no Estado de Mato Grosso.

 As despesas em moeda nacional são or-
çadas em Cr$ 33.710.000,00, importância
que será acrescida dos juros e do emprés-
timo em dólares, isto é, eleva o custo total
do projeto para Cr$ 71.790 milhões. 
 Do ponto de vista econômico, representa
o projeto contribuição ao programa da Co-
missão Mista que visa criar condições propí-
cias e um desenvolvimento mais rápido da
rica região agrícola e pastoril do Sul de Mato
Grosso. O empreendimento resultará no
provimento de uma reserva de energia elé-
trica às cidades de Campo Grande e Aqui-
dauana, que incentivará o progresso das in-
dústrias de beneficiamento locais. Este re-
sultado, por sua vez, terá efeitos benéficos
sobre a indústria pastoril e favorecerá a ex-
pansão agrícola de toda a região. No que diz
respeito à cidade de Corumbá, o projeto
apenas facilitará o aumento da potência ge-
radora da Cia. a ponto de o seu suprimento
satisfazer a grande demanda que decorre
da recente criação de numerosas empresas
industriais na zona. (CORREIO DA MANHÃ,
RJ, 03/12/52). 

Mais de um ano depois da autorização do presidente para acessar o empréstimo internacional, o financiamento continuava emperrado pela burocracia, a caminho da gaveta. A última notícia que se tem da promessa em questão, foi ventilada na sessão da Câmara dos Deputados, de 2 de abril de 1954, através de intervenção do deputado federal Dolor de Andrade (UDN-MT):

Requeiro à Mesa solicita informações ao Poder Executivo sobre o empréstimo pleiteado pela Companhia Matogrossense de Eletricidade ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, para a construção da Usina Hidrelétrica do Mimoso, em águas do rio Pardo, estado de Mato Grosso, esclarecendo:

  1. – Se o empréstimo para o financiamento em causa pode ser concedido sem a revisão das tarifas.
  2. – Quantas empresas concessionárias de energia elétrica, até aqui pleitearam idêntico benefício?
  3. – Se o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico tem, por praxe fazer financiamento em parcelas e mediante que condições de juros?
  4. – Qual o numerário de que o Banco dispõe. (CORREIO DA MANHÃ, RJ, 03/04/ 1954).

Mimoso, devagar quase parando

 
 

Roberto Campos, dinheiro do BNDE para Mimoso

  Junto com a concessão da CEM, o em-
préstimo internacional milionário, encaminhado
para a construção da usina de Mimoso, foi para
o arquivo. A morte do presidente Vargas, que
apadrinhava a iniciativa, contribuiu para o pro-
cesso de engavetamento. Concretamente, re-
curso para o projeto, herdado pela Cemat,  vol-
taria a ser cogitado somente em 1959, bem de-
pois do decreto de caducidade da Companhia
Mato-grossense de Eletricidade,  já no final do
governo Ponce de Arruda, com a notícia de um
empréstimo de 1 bilhão de cruzeiros do BNDE
à nova concessionária para a obra: 
  Conforme foi anunciado, estiveram em
 conferência com o sr. Ponce de Arruda, di-
 retoria da Cemat, representada por seu pre-
 sidente cel. Máximo Levy e dr. Alberto Adir,
 diretor técnico e o dr. Graco Rodrigues, téc-
 nico em energia elétrica do Banco Nacional
 de Desenvolvimento Econômico. 

A viagem do dr. Graco Rodrigues a Mato Grosso prendeu-se à determinação do sr. Roberto Campos, presidente do BNDE, entidade com a qual o Governo do Estado está mantendo entendimentos versando à obtenção de empréstimos destinados a solucionar o problema de energia elétrica com que se debatem, neste momento, as cidades e Corumbá.

No caso de Corumbá, o sr. Presidente do BNDE atendendo o pedido de uma comissão da Associação Comercial daquela cidade, telegrafou ao sr. governador Ponce de Arruda, iniciando assjm os entendimentos, os quais se estiveram as reuniões realizadas em Corumbá, recentemente, com a presença da direção da Cemat, do sr. Luis Lins, prefeito de Corumbá e do dr. Graco Rodrigues.

 Por sugestão daquele técnico do BNDE,
o governo do Estado, através do sr. presi-
dente da Cemat deverá avistar-se com o sr.
Roberto Campos, presidente do BNDE, afim
de conseguir novo empréstimo destinado a
aquisição de novos motores Diesel para
atender as necessidades atuais e futuras da
cidade branca. 
 Quanto a Campo Grande, o financia-
mento a ser concedido por aquele estabele-
cimento de crédito para a construção da
grande usina do Mimoso, encontra-se já
com parecer favorável ao projeto que será
submetido à aprovação do Conselho do
BNDE dentro de poucos dias. Este empre-
endimento, que se destaca como uma das
mais notáveis realizações do governo Pon-
ce de Arruda, está com o seu custo orçado
em 1 bilhão de cruzeiros, dos quais o BNDE
concorrerá com 600 milhões e a Cemat com
400 milhões. Sua potência será de 34.000
HP e a construção está prevista para 3 anos.

Após concluída atenderá os municípios de Campo Grande e Ribas do Rio Pardo, podendo também atender o município de Aquidauana.

 Em Campo Grande a Cemat já está  pro-
cedendo a melhoramentos na rede de distri-
buição da cidade, obedecendo já seus pla-
nos da grande Usina de Mimoso. (O ES-
TADO DE MATO GROSSO, 28/05/1959) 

Mimoso que sai do papel

 
 
 

Finalmente, em 27 de setembro de 1960, foi iniciada a construção de Mimoso. A Grunbilf do Brasil, empresa contratada pela CEMAT, iniciou a obra, “projetada inicialmente para ter uma potência instalada de 43.000 cv (uma turbina de 12.000 cv e outras duas de 15.500 cv, cada). Por questões de natureza financeira e política, a construção de Mimoso levou mais de 10 anos para ser totalmente concluída”. No período de 1960 a 1971, o processo de construção da usina paralisou e a Grunbilf do Brasil foi substituída pela Engenharia Civil e Sanitária S.A. – CIVILSAN, que passou a administrar o empreendimento até a sua energização.

 Lúcio Kaiti Kawano tem detalhes importantes sobre a obra pronta:

Convém destacar que o projeto de Mimoso sofreu alterações em sua concepção original cuja concepção inicial era implantar uma turbina do tipo Kaplan de 10.000 cv, de fabricação da “Charmilles”, que fora projetada para ser instalada na usina de Palmital, no Estado de São Paulo, e que posteriormente foi adquirida pela CEMAT. No eixo desta turbina, foi acoplado um gerador de fabricação da “Öerlikon” de 11.875 kVA. Buscando otimizar a capacidade de geração de energia elétrica, tempos depois um novo processo de ampliação da usina foi iniciado pela CEMAT e que resultou na contratação da Serete Engenharia S.A. A partir dos estudos feitos pela contratada para introduzir a segunda máquina foram adquiridos uma turbina tipo Kaplan da “Voith” de 27.000 cv e um gerador da “General Electric” de 23.500 kVA. Em 1977, a segunda unidade em Mimoso entrou em operação e o sistema CEMAT, no sul do antigo Mato Grosso, passou a contar com uma potência instalada de 35.375 kVA, de geração própria. A conexão da linha de transmissão vinda de Jupiá na subestação Miguel Couto, também deu início à expansão do sistema elétrico no sul do antigo Mato Grosso. (KAWANO, p 59).

 A adesão do governador Pedro Pedros-
sian, eleito pela oposição, ao partido do gover-
no militar, facilitou a liberação de novos recur-
sos para o Estado, priorizando o setor energé-
tico: 
  Mais de 15 milhões de cruzeiros novos
 foram destinados às obras de construção
 Mimoso e Rio da Casca III e a ampliação
 das redes de distribuição de energia elétrica
 de Cuiabá e Campo Grande, em Mato
 Grosso, por convênio assinado ontem pela
 Eletrobras com a Centrais Elétricas Mato-
 grossenses (CEMAT), com a interveniência
 do Banco Nacional de Desenvolvimento. 

A Usina de Mimoso terá a potência final 32 mil kW e a Usina de Rio da Casca III fornecerá 8.300 kW. Ambas deverão estar concluídas ainda este ano e são de essencial importância para o desenvolvimento da região Oeste do país.

REDES DE DISTRIBUIÇÃO – O convênio foi firmado na sede do BNDE, pelo presidente da Eletrobras, engenheiro Mario Bhering; pelo presidente do BNDE, economista Mário Magrassi de Sá; pelo diretor de investimentos da Eletrobras, prof. Manoel Pinto de Aguiar; pelo diretor do BNDE, Antonio Carlos Pimentel Lobo; pelo diretor da CEMAT, sr. Fernando Salgado e pelo presidente do Banco do Estado de Mato Grosso, sr. Raul Santos Costa.

 Pelo contrato, a Eletrobrás destina à CE-
MAT, empresa a que está associada, NCr$
4 milhões e 500 mil cruzeiros destinados à
Usina de Mimoso e à rede de distribuição de
energia elétrica da cidade de Campo
Grande. (O JORNAL, 31/03/1967). 

Superando duas crises políticas nacionais e uma local (renúncia de Janio Quadros, golpe de 64 e tentativa de impeachment do governador Pedrossian), é, finalmente concluída, no início de 1971, a primeira etapa da usina Assis Chateaubriand. Mimoso foi a última obra inaugurada pelo governo Pedrossian em Mato Grosso.

 
Governador Pedro Pedrossian e esposa, dona Maria Aparecida, e se-
cretários, na entrega da usina de Mimoso (foto O Cruzeiro) 
 
Assis Chateaubriand, uma homenagem ao dono dos Diários Associa-
dos (foto Diário da Serra) 
Mimoso e Urubupungá, a priori-
dade 
 
A última termelétrica de Campo Grande, aposentada por Jupiá (foto
reprodução do livro Campo Grande 100 Anos de Construção) 

O período mais longo de escassez de energia em Campo Grande foi até 1956, quando a Companhia Matogrossense de Eletricidade deixou de operar em Mato Grosso, por conta da caducidade de sua concessão. Foram cerca de 10 anos de racionamento, mitigado pelo esforço de três governadores e quatro governos: dois mandatos de Fernando Correa da Costa, um de João Ponce de Arruda e outro de Pedro Pedrossian.

 Os três ocuparam a maior parte de seus
tempos com o problema da energia elétrica, fo-
cados em Mimoso e Urubupungá, de onde a-
creditavam estar a única solução para a dramá-
tica dependência da cidade e do Estado. 

As crises políticas da época, a burocracia de todas épocas e as deficiências financeiras do Estado e da nação, sobrepunham-se à capacidade e a vontade política dos gestores. 

O primeiro a encarar a transição foi João

Ponce de Arruda (PSD), com a ativação da CEMAT, Centrais Elétricas Matogrossenses S.A, em setembro de 1958 e assumindo, através desta a operação do sistema, cuja responsabilidade fora atribuída provisoriamente ao município. A CEMAT passou a ser a administradora não só em Campo Grande, mas em Cuiabá, Aquidauana, Corumbá, com sua jurisdição em todo o Estado.

A CEMAT constata Kerman Machado, “com grandes dificuldades resultantes das carências organizacionais e técnicas de uma empresa em início de operação, assumiu a responsabilidade de praticar racionamentos cada vez maiores que, em alguns circuitos, chegaram a 14 horas diárias e 4 outras de um suprimento sem qualidade na frequência e na tensão”:

 Na continuidade dos efeitos resultantes
desses cortes, como ligações emergenciais
de hospitais  linhas primárias especiais, as
situações surgidas somente foram atenua-
das entre 1958 e 1959, com um suprimento
da ordem de 600 kW recebido de um turbo-
gerador Asea/Stal do Frigorífico Matogros-
sense (Frima), depois de um grupo Diesel
da Prefeitura – o Piracicabano – de duração
operacional mínima, só contrabalançado em
ineficiência por outro turbogerador Bells &
Marcon adquirido pela Cemat, previsto para
gerar três mil kW e não chegou a alcançar
10% do previsto em sua fase de comissio-
namento. Foi retirado de serviço pela polui-
ção de óleo combustível causada na área do
Frima, após outras tentativas malsucedidas
de operação. (MACHADO, 1999, p 15) 
Fernandão, uma boa ideia e um co-
fre vazio 
 
 Fernando Correa da Costa é conside-
rado o principal protagonista da solução do
problema energético de Mato Grosso. Prefeito
de Campo Grande, de 1º de dezembro de 1947
a 31 de janeiro de 1951, viveu o drama do raci-
onamento desde o início da crise de abasteci-
mento, quando ainda havia expectativa de so-
lução local. Governador do Estado, pela pri-
meira vez (1951-1956), priorizou as ações de-
finitivas para o problema de luz e força e, no
seu segundo governo (1960-1965) foi decisivo
na realização do projeto de exploração dos re-
cursos híbridos do rio Paraná, que colocariam
Mato Grosso entre os estados autossuficientes
em energia elétrica, integrando-o ao sistema
nacional. 
 O seu primeiro governo coincidiu com o
mandato do presidente Getúlio Vargas. De olho

no Ponto IV de Truman, pensou em investimentos na bacia do Paraná. O Ponto IV foi programa de auxílio técnico dos Estados Unidos a países da Ásia, África e América Latina no pósguerra. O programa foi anunciado em 1949 pelo presidente Harry Truman e foi o quarto objetivo da política externa mencionado em seu discurso inaugural em 20 de janeiro de 1949.  

 Tendo como parâmetro a Lei 541, de
1948, que criou a Comissão do Vale do São
Francisco, “resolveu dirigir uma carta ao gover-
nador de São Paulo, dr. Lucas Nogueira Gar-
cez, em 17 de junho de 1951. Nessa carta su-
geria que estando em vias de execução a
aplicação do PONTO IV de TRUMAN na Amé-
rica do Sul e merecendo especial atenção da
Co-missão Mista Brasil-Estados Unidos, a Ba-
cia do Paraná, convocasse ele uma reunião
dos governadores dessa área a fim de acerta-
rem os seus pontos de vista em face de tão
magno problema”, segundo Demósthenes Mar-
tins, então secretário de Justiça do governo es-
tadual: 
  Acolhida com entusiasmo a sugestão
 do governador de Mato Grosso, Garcês con-
 vocou os governadores Pedro Ludovico Tei-
 xeira, de Goiás, Juscelino Kubitschek, de
 Minas Gerais, Bento Munhoz da Rocha, do
 Paraná, Irineu Bornhausen, de Santa Cata-
 rina e Fernando Correa da Costa para se re-
 unirem em São Paulo, de 6 a 8 de setembro
 de 1951, “com o objetivo de esquematiza-
 rem as soluções dos problemas de inte-
 resse comum, compreendidos na bacia do
 Paraná”. (MARTINS, 1980, p 199). 
              O encontro dos governadores deu-se
em 7 de setembro de 1951, no palácio dos
Campos Elísios, em São Paulo e a conferência
resultou na criação na Comissão Interestadual
da Bacia do Paraná, com as seguintes indica-
ções: 
– Aceitar as conclusões e indica-
ções sobre o plano geral de trans-
portes da região, sobre o plano de
aproveitamento hidrelétrico da ba-

a)

cia do Paraná e seus afluentes,
sobre o plano de aproveitamento
dos   combustíveis,    zoneamento
geoeconômico e meios para o fi-
nanciamento inicial dos estudos e
projetos das obras programadas,
como das possibilidades de cus-
teio da execução delas; 
– Submeter à consideração do go-
verno federal o plano de criação
de um órgão federal com a partici-
pação direta dos Estados geogra-
ficamente contidos na Bacia do
Paraná, considerando para os
mesmos efeitos, dela interdepen-
dentes o Estado do Rio Grande do
Sul. 
– Criar desde logo, um órgão téc-
nico-administrativo para discipli-
nar e orientar o planejamento dos
empreendimentos e adquirir medi-
das para sua objetiva execução; 
– Convidar o Estado do Rio Grande
do Sul a integrar a comissão, ór-
gão interestadual a ser criado, da-
da a íntima afinidade existente en-
tre os seus problemas econômicos
e os dos Estados da Bacia Hidro-
gráfica do Rio Paraná; 
–  Considerar o Conselho Nacional
de Economia, os órgãos represen-
tativos das classes produtoras e
as entidades técnico-profissionais

b)

c)

d)

e)

f)

do país como elementos progra-
mados; 
– Estabelecer permanentes conta-
tos para o normal desenvolvimen-
to das providências que se fizerem
necessárias ao imediato início dos
empreendimentos de forma a tor-
nar possível, ainda dentro de seus
atuais períodos de governo, a rea-
lização de parte apreciável obras
programadas; 
– Propiciar um mútuo e proveitoso
entendimento das representações
de cada Estado no Congresso Na-
cional, de forma a prestigiar a cria-
ção do projetado Orgão Interesta-
dual e os seus altos objetivos; 
– A remessa ao sr. Presidente da
República, ao Congresso Nacio-
nal, ao Conselho Nacional de Eco-
nomia e às assembleias estadu-
ais, de súmula das deliberações
neste Convênio. (CORREIO PAU-
LISTANO, 09/09/1951). 

g)

h)

i)

            Levado o projeto ao presidente Getúlio
Vargas, pelo governador Lucas Garcês, este
sugeriu a inclusão do Rio Grande do Sul. 
             “Assim ajustados – lembra Demosthe-
nes Martins – na primeira reunião dos integran-
tes da Comissão de Estudos dos Problemas
Econômicos da Região do Paraná, realizada
em 6 de maio de 1952, em S. Paulo, foi aprova-
do o regimento interno da Comissão ela a de-
signar-se COMISSÃO INTERESTADUAL DA
BACIA PARANÁ-URUGUAI – CIBPU”. 
 
 

Urubupungá, o invejável manancial do rio Paraná

 
 

Vargas e Garcês. Brasil e São Paulo unidos pela energia

A palavra de JK

 
 
O governador Janio Quadros (SP) mostra ao presidente JK o projeto
do complexo Urubupungá (foto Jornal do Brasil) 
             Priorizada a construção da hidrelétrica
de Urubupungá, aberta a concorrência interna-
cional para planejamento e execução das o-
bras, foi vencedora a Societá Edison, de Milão.
O contrato foi firmado em 27 de janeiro de
1955. Era presidente da República, João Café
Filho, vice-presidente de Getúlio, que suicidara
em 24 de agosto de 1954. No governo de Mato
Grosso, no último ano de seu primeiro man-
dato, Fernando Correa da Costa. 
        Em reunião solene, realizada em 2 de ju-
lho de 1957, no Palácio Campos Elísios, sede
do governo de São Paulo, o governador Jânio
Quadros, presidente do Consórcio, entregou ao
presidente da República, Juscelino Kubistchek,
na presença dos governadores da região, o
projeto das duas primeiras usinas no rio Pa-
raná, ambas no complexo Urubupungá. Era go-
vernador de Mato Grosso, João Ponce de Ar-
ruda. 

A primeira dessas usinas, a de Jupiá, será dotada de 15 unidades de 75.000 KVA cada uma; a da ilha Solteira terá 15 geradores, cada um com 110.000 KVA.

 Os planos de construção elaborados, e
que acompanham o aludido projeto, pre-
veem, na sua primeira fase, a entrada em
serviço na usina de Jupiá, cinco anos após
o seu início, de seis grupos geradores, tota-
lizando 450.000 KVA, de imediato consumo
na região Centro-Sul, cuja potência será da
ordem de dois milhões de quilovates. 

Admitida a taxa de crescimento de 10% o aumento anual de consumo de energia elétrica será de 200.000 quilovates.

 No projeto da usina de Jupiá, três alter-
nadores    de    75.000    KVA,    totalizando
225.000 KVA, estão ligados a um mesmo
banco de transformadores, constituindo as-
sim, como que uma unidade de exploração.
 Na usina de Ilha Solteira serão montados
quinze alternadores 110.000 KVA, ligados
também em grupos de três, com 330.000
KVA, no mesmo banco de transformadores.

Fechando o ato, após discurso de vários oradores, ressaltando a importância histórica do evento, falou o presidente JK:

 Em seu discurso salientou o chefe do
Executivo, de início, que a solenidade que
então se realizava, de aparência tão singela,
vai ficar nas páginas do desenvolvimento do
Brasil, como um dos episódios mais fulgu-
rantes. Ao iniciar sua campanha política –
disse – e verificando que o país precisava
de um programa que ferisse exatamente os
pontos essenciais de seu desenvolvimento,
como governo teria de atacar mais precipu-
amente o problema de energia e transporte.
Pensava, então, que em sua administração
pudesse elevar de três milhões para cinco
milhões de kW o nosso potencial hidrelé-
trico. Nesse sentido foram iniciadas démar-
ches e providências, quase todas a cargo de
elementos do governo, entre os quais des-
tacava , naquele instante, o engenheiro Lu-
cas Lopes, que se tem ocupado vivamente
desses problemas relacionados com trans-
portes e energia. 
 Continuou o presidente Juscelino Kubits-
chek afirmando que algumas das obras des-
ses setores ficarão marcadas na história do
Brasil, por seu cunho eminentemente nacio-
nal. Uma delas, já iniciada, é a da gigan-
tesca barragem de Três Marias, no rio São
Francisco, a qual vai acumular mais de 22
bilhões de metros cúbicos de água, possibi-
litando funcione em sua base uma usina de
500 kW. Terá, além disso, uma influência
considerável , pois  regularizará a navega-
ção do rio São Francisco, permitindo que em
qualquer período do ano aquele rio, hoje de-
saparecendo para efeito comercial de trans-
porte, retome sua posição de relevo no ce-
nário econômico do país. Três Marias ser-
virá a seis estados diretamente, benefici-
ando, também, indiretamente, outros vários,
como os região do Nordeste. Isso, porque a
captação da grande barragem dobrará a ca-
pacidade da Paulo Afonso de 500 mil para
um milhão de kW. E, no momento, está o
governo empenhado em levar a regiões
mais distantes do Nordeste, como Ceará,
Paraíba, Rio Grande do Norte, parte da
energia de Paulo Afonso, a fim de fecundar
áreas que até agora não dispunham, nas
proporções desejadas, desse instrumento
de progresso. 

Referindo-se à usina de Urubupungá, acentuou o presidente:

 “Essa honra que V. Exa., sr. governador
Jânio Quadros, traz para ao Governo Fede-
ral é também dessas que ficarão imorredou-
ramente no panorama do Brasil. Tem o
mesmo cunho nacional daquela a que aca-
bo de aludir, e com uma vantagem: ao invés
de um milhão de kW, vai ela produzir três
milhões de kW, na região mais necessitada,
pois é a região que já atingiu maior nível de
progresso e tem, portanto, mais fome e sede
de energia elétrica”. 
 Ressaltou o sr. Juscelino Kubitschek, a
esta altura, que, pela compreensão de que
nenhuma nação poderá progredir, hoje em
dia, sem ter uma capacidade de energia elé-
trica que mobilize suas riquezas naturais ,
preocupou-se desde cedo o seu governo em
atacar preferentemente esse setor. Os 5 mi-
lhões de kW que teremos em 1960, serão
insuficientes para atender às solicitações
em 1963 quando o consumo de energia elé-
trica deverá ser de 8 milhões de kW, consi-
derada a curva de crescimento do Brasil.
Urubupungá virá assegurar ao país em 1963
esta capacidade de energia elétrica, sem a
qual teríamos uma nova pausa em nosso
desenvolvimento. Trata-se , portanto, de u-
ma obra de amplo e profundo alcance eco-
nômico para o Brasil – alcance também so-
cial, porque Urubupungá será poderoso fa-
tor de fecundação de regiões que estão, re-
almente, carecendo desse instrumento de
produção e de progresso. 
 Depois de declarar ser sua aspiração
mais profunda deixar em 1965 um Brasil 
preparado para enfrentar suas crises, o pre-
sidente Juscelino Kubitschek congratulou-
se com o governador Jânio Quadros pelo
espírito público e pela dedicação com que
se vem votando a esse importante projeto.
Com estas obras de Três Marias, Urubupun-
gá e da construção da nova capital do Brasil
– realçou S.Exa. – o período de 1956 a
1963, no tocante ao Governo, ficará assina-
lado como uma das épocas em que mais sé-
ria e objetivamente se cuidou dos interesses
do Brasil no interior. (JORNAL DO BRASIL,
03/07/1957). 
 

Três Marias, a grande usina de JK

O canteiro de obras e o desvio do
rio Paraná 
 

Cidade-piloto para abrigar a família dos trabalhadores (foto O Cruzeiro)

             Em outubro de 1960, antes mesmo da
constituição da CELUSA, empresa que viria a
assumir a construção da usina, o governo de
São Paulo, através da CIBPU, deu início às
obras de desvio do rio: 
  O governador paulista, depois de tomar
 conhecimento dos pontos elaborados pela
 Comissão da Bacia Paraná-Uruguai, julgou
 conveniente o início imediato das obras de
 construção da primeira ensacadeira (desvio
 do rio) da usina de Urubupungá, ainda que
 em escala reduzida, em relação à época do
 início. Desse modo, feita a concorrência pa-
 ra as obras, propriamente ditas, poderá o
 empreiteiro contratante do serviço, iniciar
 imediatamente as obras da primeira casa de
 força, o que representará ganho substancial
 de tempo na construção da usina. 
  A decisão governamental decorreu da
 sugestão apresentada pela Comissão Incor-
 poradora das Centrais Elétricas de Urubu-
 pungá, após exame dos projetos existentes
 na Comissão da Bacia Paraná-Uruguai. 

Trata-se de obra preliminar que, pelas suas características, poderá ser atacada independentemente da instalação integral do canteiro de serviços. ( CORREIO DA MANHÃ, 06/10/1960).

Em 29 de outubro, caravana que percorre o interior de São Paulo, à frente o governador Carvalho Pinto, chega à região de Urubupungá e inaugura no lado paulista o aeroporto de Jupiá e o marco comemorativo do início das obras da grande barragem. (O JORNAL, 30/10/1960).

Em 23 de novembro, a prefeitura de Três Lagoas comunica ao presidente Juscelino Kubitschek a doação da área para as obras da represa em território de Mato Grosso:

 Tenho a maior honra de comunicar à
V.Exa. que nesta data realizou o ato de imis-
são de posse da área da margem do Estado
de Mato Grosso, destinado ao serviço da fu-
tura barragem de Jupiá, sendo a mesma en-
tregue à Comissão Interestadual da Bacia
Paraná-Uruguai, a qual superintende as
obras preliminares. Esse é um momento his-
tórico, sem dúvida, que abre o horizonte de
nova época de expansão vertiginosa de
nossa Pátria, que está fadada a se tornar
berço de uma outra civilização que presidirá
os destinos do mundo num futuro muito pró-
ximo. As) dr. Leal de Queiroz – prefeito mu-
nicipal de Três Lagoas. (CORREIO DA
MANHÃ, 23/11/1960). 
 

Francisco Leal de Queiroz, prefeito de Três Lagoas (foto O Cruzeiro)

Jango lança obras da barragem de
Jupiá 
 
 
Presidente João Goulart e governador Fernando Correa da Costa (à
esquerda), no lançamento das obras de Jupiá (foto revista Manchete)
 
          Em 25 de novembro de 1962, o presi-
dente João Goulart cumpre agenda em Três
Lagoas, onde esteve, em companhia de vários
de seus ministros para “assinar os contratos de
aquisição dos equipamentos pesados e da re-
alização das obras civis da usina de Jupiá – pri-
meira etapa do sistema de Urubupungá”. Na ci-
dade mato-grossense o presidente da Repú-
blica foi recepcionado pelos governadores de
São Paulo, Mato Grosso, Paraná e Santa Cata-
rina, representantes dos governadores de Mi-
nas Gerais e Goiás: 
  Após passar em revista tropas do Exér-
 cito, o chefe da nação, acompanhado pelos
 governadores dirigiu-se a um hotel do lado
 paulista do rio Paraná, onde manteve breve
 contato com os chefes de executivos esta-
 duais. A seguir, de helicóptero, visitou as
 obras da usina. Mais tarde desceu na cidade
 piloto da usina onde se realizou a soleni-
 dade de assinatura dos contratos. 

No local, falando para uma plateia de cerca de 2.000 operários e autoridades, depois “de elogiar a contribuição da iniciativa privada japonesa e italiana, para a construção de Urubupungá e Usiminas, disse que  o capital que venha fixar-se na side-

rurgia e na produção de eletricidade, que se infiltre para a consolidação da infraestrutura do Brasil, há de ter sempre o apoio e reconhecimento do povo brasileiro. (JORNAL DO BRASIL, (27/11/ 1962).

             Ao finalizar, Jango “elogiou o trabalho
dos governadores, particularmente o do sr.
Carvalho Pinto; agradeceu a colaboração téc-
nica e financeira prestada por seu país e aos
trabalhadores da CELUSA e seus esforços
para a concretização da obra”. 
              Antecedendo ao presidente da Repú-
blica, discursou o governador Carvalho Pinto,
que “historiou a realização de Urubupungá e,
depois de lembrar a obra dos bandeirantes
paulistas afirmou que 

precisamos agora de um novo bandeirismo, que não visa a integração do território, mas da comunidade nacional, num poderoso corpo voltado à construção de uma grande pátria.

Dirigindo-se ao primeiro mandatário disse:

 Com o decidido apoio do governo de
V.Exa. e dos estados interessados pudemos
dar às obras de Urubupungá, através do
plano de ação do nosso governo, incre-
mento extraordinário que se coloca em con-
dições de serem levadas adiante por nosso
sucessor. (O JORNAL, 27/07/1962). 
EUA doam 6 milhões de dólares ao
Estado de Mato Grosso 
 Lincoln Gordon (de óculos escuros) vistoria obras de Jupiácom o governador Fernando Correa da Costa, o primeiro à esquerda
  Ainda em seu governo, no início do regime
 militar, Fernando Correa da Costa conseguiu do
 governo americano, através da Aliança para o
 Progresso, ajuda para expansão da energia no
 Estado, permitindo ao seu sucessor, Pedro Pe-
 drossian, a extensão da linha de transmissão de
 Campo Grande para Dourados e Corumbá. 
 Durante visita ao Estado, em 1964 o em- 
baixador americano Lincoln Gordon esteve em 
Cuiabá, Corumbá, Campo Grande e Dourados, 
encerrando a viagem no dia 7 de julho com visita 
às obras de Urubupungá. No dia 5, o diplomata 
assinou com o governador Fernando Correa da 
Costa, convênio de financiamento da Aliança 
para o Progresso ao Plano de Eletrificação de 
Mato Grosso no valor de US$ 6.230.000,00. Em 
Jupiá, acompanhados do governador e do minis- 
tro Roberto Campos, do Planejamento, os ameri- 
canos percorreram as obras da usina de Urubu- 
pungá, “sendo então informados de que o crono- 
grama vem sendo cumprido, de forma que as pri- 
meiras unidades poderão iniciar a produção de 
eletricidade em princípios de 1967″. (BRASIL 
OESTE, 1964, p 42).  

CELUSA: Mãos à obra!

 
 

Hélio Bicudo (à direita) com o governador Carvalho Pinto (foto Fapesp)

Para desenvolver o primeiro grande projeto da CIBPU, foi criada a CELUSA, Centrais Elétricas do Urubupungá S/A. Os governadores, membros da Comissão, decidiram oficialmente em reunião realizada em Brasilia, em 19 e 20 de março de 1960:

  Os governadores, etc., resolvem autori-
 zar o órgão executivo da Comissão Interes-
 tadual da Bacia Paraná-Uruguai a manter
 entendimentos com os estados que ainda
 careçam da autorização legislativa, para
 que promovam, em 90 dias, as medidas a-
 dequadas para a subscrição do capital das
 Centrais Elétricas de Urubupungá – CE-
 LUSA, conforme diretrizes fixadas nas con-
 ferências dos governadores levadas a efeito
 em Florianópolis e São Paulo 
 A CELUSA realizou sua assembleia de
fundação no dia 3 de janeiro de 1961. Ato so-
lene, presidido pelo governador Carvalho Pinto,
de São Paulo marcou o evento, ao qual com-
pareceram os governadores Herberto Heber,
de Santa Catarina; José Feliciano Ferreira, de
Goiás; Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul;
Ponce de Arruda, de Mato Grosso, Moisés Lu-
pion, do Paraná e os governadores eleitos de
Minas Gerais, Magalhães Pinto; do Paraná,
Ney Braga; de Santa Catarina, Celso Ramos;
de Mato Grosso, Fernando Correa da Costa e
de Goiás, Mauro Borges Teixeira. 

Em longo discurso, o governador anfitrião traçou em detalhes a importância do grande investimento o qual destacou com obra nacional:

 São Paulo, senhores governadores,
sente-se – fiel ao seu espírito de brasilidade
– particularmente feliz em concorrer para
essa notável realização. Na verdade, Urubu-
pungá não pode ser vista como simples obra
regional, ainda que o seja em grande esca-
la, senão no seu significado eminente-
mente nacional. Ela completa e se harmo-
niza com as magníficas iniciativas que se
chamam Paulo Afonso, Três Marias, Fur-
nas, com as usinas que neste Estado ope-
ram sob a égide da USELPA e da CHERP,
assim como suas coirmãs nos demais Esta-
dos da Bacia Paraná-Uruguai, soldando
com os benefícios da técnica moderna os la-
ços da integração nacional. Não está longe
o dia, mercê de Deus, em que esse pode-
roso sistema fará sentir sua influência, en-
cerrando, como peça fundamental do de-
senvolvimento econômico, o ciclo de empo-
brecimento de vastas regiões, inclusive de
ampla parcela do Centro-Oeste, que consti-
tui o novo eixo do desenvolvimento nacional
e o fautor do indispensável equilíbrio geoe-
conômico que a todos nós cumpre defender,
entre o Norte e o Sul, entre o litoral e o ser-
tão. 
 Praticando dessa forma obra de sadio e
autêntico nacionalismo efetivo, voltado para
a consolidação da nossa unidade, a vitaliza-
ção das nossas riquezas materiais e huma-
nas e firme preservação de sua soberania –
é com essa afirmação de fé e confiança no
futuro, vale dizer nos destinos da grande Pá-
tria comum e, sobretudo, na redenção do
homem brasileiro que tenho a honra de de-
clarar constituída as Centrais Elétricas de
Urubupungá S.A. e augurando-lhe a certeza
do magnífico por vir. (CORREIO PAULIS-
TANO, 04/01/61) 

Em seu discurso o governador Carvalho Pinto tentou responder a uma preocupação de seu colega Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul:

     Em carta dirigida ao deputado Abreu So-
dré, sobre a constituição das Centrais Elétri-
cas de Urubupungá (CELUSA), o governa-
dor gaúcho Leonel Brizola reafirma que seu
Estado defende a inclusão nos estatutos da
sociedade que construirá e explorará Urubu-
pungá, de uma cláusula proibitiva de venda
em grosso de energia para redistribuição
por grupos estrangeiros em que por qual-
quer forma, tenham capital controlado por
estrangeiro. 

A cláusula é indispensável, segundo o governador Brizola, para evitar que a sociedade se veja na situação de possuir energia elétrica, mas sem dispor de meios para distribuição, não tendo assim outra solução senão confiar a distribuição a organizações estrangeiras, ou seja, no caso de Urubupungá – à Light e à Bond and Share. (JORNAL DO BRASIL, 06/01/61). 

 Por deferência do governador de São
Paulo, coube ao governador  Fernando Correa
da Costa, indicar um representante de Mato
Grosso na diretoria da nova empresa. O advo-
gado Demosthenes Martins, ocupou a vaga
destinada ao nosso estado. 
           Esta primeira diretoria teve como presi-
dente, o advogado Hélio Bicudo,  sendo as de-
mais vagas ocupadas por Diogo Adolfo Nunes
de Gaspar, Francisco Lima de Souza Dias e
Nilde Ribeiro dos Santos. A Demosthenes, por
sua condição de advogado, coube encaminhar
os processos de desapropriação das áreas a
serem alagadas pelas represas das usinas pro-
jetadas. 
           “À CELUSA – segundo Demosthenes –
na conformidade do decreto 38649, de 25 de
janeiro de 1956, do então presidente da Repú-
blica Nereu Ramos, fora outorgada a conces-
são para aproveitamento de energia hidráulica
no trecho de Itapura e Urubupungá, nos rios Ti-
etê e Paraná, na divisa de São Paulo e Mato
Grosso”. 
            Cabia-lhe a construção da Central Elé-
trica de Urubupungá no conjunto de Jupiá e Ilha
Solteira, com projeto da Edisonbrás, empresa
itliana contratada pela CIBPU, em 1957. O ca-
pital inicial da empresa foi fixado em Cr$
334.770.000,00. (MARTINS, 1980, p 226). 
 
Demosthenes Martins, o representante de Mato Grosso na Celusa,
com JK (foto reprodução do livro de memórias de Martins) 

A magnitude da obra

 
 

Hidrelétrica de Jupiá. O ritmo frenético da construção

            Em 29 de julho de 1961, antes mesmo
do início da represa, esteve em Três Lagoas
em visita ao canteiro da obra, o ministro João
Agripino, de Minas e Energia, que regressou a
Brasília “visivelmente impressionado com o rá-
pido andamento dos trabalhos, os quais, uma
vez terminados, permitirão um aproveitamento
mediato de 3.000.000 kw”. 
        A barragem de Jupiá, a partir da margem
esquerda do rio Paraná, depois de concluída
teria as seguintes dimensões: 
  1. trecho de barragem em terra, com cerca de 1880 metros de extensão;
  2. trecho de barragem vertedouro em concreto, com 615,50 metros de comprimento total e 36 vãos de 15m x 11 metros;
  3. usina barragem em concreto com 525 metros e capacidade, na fase final, para 16 grupos;
  4. trecho de barragem para concreto, com 307 metros de comprimento para ligação entre a usina, a entrada

da eclusa e o trecho da margem di-

reita;

  • trecho de barragem em terra, com cerca de 2.140 metros de comprimento, para fechamento de margem direita.

Sobre esta barragem, passará uma rodovia. Formará a barragem um reservatório de três bilhões e quatrocentos milhões de metros cúbicos de água, estendendo-se por 79 km ao longo do rio Paraná, 40 quilômetros pelo Tietê e 63 km pelo Sucuriu rio acima. O volume represado será de 700 milhões de metros cúbicos.

 Pelo varadouro poderão passar 50 mil
metros cúbicos de água por segundo. Na casa
de força da usina, por construir, serão instala-
dos 16 grupos, 12 principais, de 100.000 kw
cada um; 2 secundário s, de 25 mil kw; e 2 au-
xiliares, de 4 mil kw. A potência total instalada
será assim de 1.258.000 kw, com uma produti-
vidade anual de 6 bilhões, 786 quilovates-hora
no mínimo, e sendo o máximo em 8 bilhões de
kw-hora, o que desenvolverá praticamente o
capital empregado num prazo de apenas dois
anos. (O JORNAL, 30/07/1961). 
 

João Agripino, ministro de Minas e Energia do governo Jânio Quadros   

Jupiá – Campo Grande: a primeira
torre 

Jupiá, obras em ritmo acelerado (foto O Cruzeiro)

 Em 23 de fevereiro de 1964 é solene-
mente entregue pelo governo de São Paulo, a
primeira torre do linhão de Jupiá – Campo
Grande. Com a inauguração da primeira torre
chega ao Sul de Mato Grosso o marco inicial
da energia hidrelétrica da usina de Jupiá. Ao
ato, presidido pelo governador Fernando Cor-
rea da Costa, compareceu o governador de
São Paulo, Ademar de Barros e o diretor da Ce-
lusa (Centrais Elétricas do Urubupungá S/A),
José Aflalo Filho, que discursando na ocasião,
ressaltou a importância do empreendimento
em seus aspectos sócio-econômicos, com des-
taque para a questão industrial: 
  No momento em que a mais grave crise
 de energia elétrica ronda ameaçadoramente
 diversos estados da União, impondo racio-
 namentos e medidas outras tendentes a evi-
 tar um colapso total, rejubila-se o Estado de
 São Paulo em vir trazer aos matogrossen-
 ses este marco que significa, praticamente,
 para a região sul deste grande Estado, im-
 prescindível fator de progresso. 

Na verdade, a entrada em operação da usina de Jupiá, em construção pela Centrais Elétricas de Urubupungá S/A – CELUSA, prevista para 1966, e a construção da linha de transmissão Jupiá- Mimoso – Campo Grande, que hoje iniciamos, são elementos que, com certeza, nos asseguram aquela previsão.

Não poderia, entretanto, falar nesses empreendimentos sem ressaltar a atuação do ilustre governador de São Paulo, dr. Ademar de Barros. Eles, nos dias de hoje, são entusiásticas realidades graças ao descortínio de S. Exa. que, deixando de lado egoísmos regionais, compreendeu perfeitamente o significado de Urubupungá.

 Essa obra que irá beneficiar toda a re-
gião Centro-Oeste do país, ou melhor, seis
estados da federação – Mato Grosso, Goiás,
Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná e São
Paulo – mereceu do governador Ademar de
Barros toda especial atenção, tanto assim
que, mesmo diante da difícil conjuntura eco-
nômica por que atravessa a Nação, tem
dado todo o apoio financeiro às usinas do
conjunto Urubupungá. Sim, porque além de
Jupiá, o timoneiro dos paulistas, com sua
larga experiência administrativa, já tomou as
primeiras providências para o início da hi-
drelétrica de Ilha Solteira. 
 Por outro lado, esta linha de transmis-
são, situada neste Estado, trazendo benefí-
cios unicamente para Mato Grosso, nem por
isso deixou de merecer todo o interesse de
S.Exa., que não só autorizou a sua imediata
construção como também desejou estar
presente a esta festa comemorativa como
marco de uma nova era de progresso. 

Justifica-se nossa alegria por esta comemoração. Velha e justa aspiração do Estado de Mato Grosso hoje se torna realidade.

     Os anseios dos nossos laboriosos ir-
mãos mato-grossenses têm a sua razão de
ser. No setor industrial, mormente no da me-
talurgia a existência de energia abundante
acentua a instalação de indústrias pesadas.
Esta tendência, já manifestada em São
Paulo desde 1940, com a criação dos par-
ques industriais de Moji das Cruzes, Tau-
baté, Sorocaba e Piracicaba, com as usinas
e fábricas em funcionamento, é prova inso-
fismável. Em Corumbá, por exemplo, já e-
xiste um alto forno a carvão de madeira, que
opera minério de ferro e manganês de Uru-
cum. Com energia abundante, novas indús-
trias siderúrgicas florescerão nesta vasta re-
gião, até hoje tolhida em seu anseio de ex-
pansão pela falta deste elemento de infraes-
trutura. 
 Quanto aos aspectos econômico-sociais,
deve-se assinalar que ao longo desta linha
de transmissão se dará, futuramente, a
completa integração dos que aqui vivem. 
 Foi tendo em vista estes aspectos que o
Exmo. governador de Mato Grosso, Fer-
nando Correa da Costa, tornou-se um dos
grandes baluartes na luta pela construção
do conjunto de Urubupungá, que uma vez
realizado, concretizará a sua previsão con-
substanciada na reunião de 1951 dos gover-
nadores da Bacia do Paraná e da indicação
em 1955, que pedia para a construção de
Urubupungá a prioridade nas atividades da
Comissão Interestadual que representa os
estados que a compõem. 
     Ainda o ilustre homem público que dirige
os destinos de Mato Grosso fez deste Es-
tado o terceiro acionista da CELUSA, cir-
cunstância que hoje tem a consequência
deste benefício. (BRASIL OESTE, 1964, p
22). 

A estimativa de investimento do estado de São Paulo na construção desta linha de transmissão, feita à época pelo secretário Demosthenes Martins, de Justiça e Finanças de Mato Grosso, foi de 1 bilhão de cruzeiros. (CORREIO DA MANHÃ, 17/03/1963). 

 
 

Governador Ademar de Barros, parceiro de primeira hora  

A CESP incorpora a CELUSA

 Por lei estadual de 5 de dezembro de
1966, sancionada pelo governador Laudo Na-
tel, foi criada a CESP – Centrais Elétricas do
Estado de São Paulo, que incorporou as em-
presas de energia elétrica que atuavam de
forma isolada, com a finalidade de centralizar o
planejamento e racionalização dos recursos do
Estado de São Paulo, no setor de energia. 
         O decreto nº 59.851, de 23 de dezembro
de 1966, do presidente Castelo Branco, conce-
deu autorização federal para funcionar como
empresa de energia elétrica: 
  O presidente Castelo Branco concedeu
 às Centrais Elétricas de São Paulo (CESP)
 autorização para funcionar como empresa
 de energia elétrica,  num empreendimento
 com o capital de Cr$ 923,3 bilhões, dos
 quais Cr$ 659,9 bilhões integralizados e Cr$
 263,3 bilhões a serem integralizados. 
  A CESP compreende unificação de 11
 organizações, cuja multiplicidade de servi-
 ços de serviços vinha gerando crescentes
 dificuldades, que tenderiam a se agravar
 com graves prejuízos, senão a paralisação
 do plano de eletrificação do Estado de São
 Paulo, onde a capacidade de geração atual-
 mente instalada é de 2.000.000 kw, cerca de
 25% de potência total do Brasil. (JORNAL
 DO BRASIL, 27/12/1966) 
            A CELUSA encerraria suas atividades,
passando as usinas de Urubupungá à direção
da CESP. O engenheiro Lucas Nogueira
Garcês, em cuja administração como governa-
dor de São Paulo, tudo começou, foi o primeiro
presidente da nova empresa. 

Testado e aprovado

 
Governador Abreu Sodré aciona a primeira turbina de Jupiá, acompa-
nhado pelos senadores Carvalho Pinto (ao seu lado) e Fernando Cor-
rea da Costa (o primeiro à esquerda) 

Praticamente concluída, a usina passa por seu primeiro teste oficial. Comemorando seu segundo ano de governo, em São Paulo, Abreu Sodré, em 30 de janeiro de 1969, aciona  sua primeira turbina:

Em atos presididos ontem pelo governador Abreu Sodré, foi iniciada a concretagem da barragem de Ilha Solteira e colocada em funcionamento a primeira turbina de Jupiá, obras que fazem parte do complexo hidrelétrico de Urubupungá.

 O governador, que comemora o 2º ani-
versário de sua administração, disse que
Urubupungá “é obra de integração nacio-
nal”. A barragem de Ilha Solteira estará liga-
da até 1974 a Jupiá, formando um conjunto
com capacidade de 4,6 milhões de kw, con-
siderado um dos maiores aproveitamentos
hidráulicos do mundo. (O JORNAL,31/01/
1969). 

Urubupungá chega a Campo Grande

 
 

Subestação de Campo Grande (foto G1)

Em abril de 1969, finalmente, a energia de Jupiá chega a Campo Grande. De Campo Grande estendeu-se rapidamente para as demais cidades do Sul de Mato Grosso, sendo Dourados a próxima a ser atendida, com inauguração do serviço, em 15 de maio de 1960.

 Com cerca de 140.000 habitantes e cres-
cendo vertiginosamente, a futura capital, livrava-se
da principal amarra ao seu desenvolvimento. A che-
gada, logo em seguida, da energia de Mimoso e Ilha
Solteira, consolidou definitivamente a suficiência e-
nergética  de todo o Estado. 

Era o fim de um pesadelo centenário e o início da efetiva construção de um Estado sem barreiras para alcançar o seu futuro.

Era governador do Estado, em fim de mandato, o engenheiro Pedro Pedrossian, cujo empenho para realização do projeto, foi fundamental, e prefeito do município, o advogado Plinio Barbosa Martins.

BIBLIOGRAFIA

Jornais e revistas

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JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 1957, 1961, 1962, 1966

JORNAL DO COMÉRCIO, Campo Grande,

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MANCHETE, Rio de Janeiro, 1969

O ESTADO DE MATO GROSSO, 1942, 1956, 1959

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