O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) disse que o governo do estado de São Paulo e a Prefeitura de São Sebastião foram avisados com dois dias de antecedência sobre o risco de desastre na cidade, citando a Vila do Sahy, onde mais de 30 pessoas morreram.
Moradores relatam, porém, que não foram avisados pela Defesa Civil e que não houve nenhum pedido para que deixassem suas casas mesmo diante do perigo de deslizamento.
O Cemaden, que é um órgão do governo federal, opera sem interrupção, monitorando, em todo o território nacional, as áreas de risco dos municípios classificados como vulneráveis a desastres naturais.
O seu papel é acompanhar os índices meteorológicos e geológicos – de movimentação de terra – para, com base nisso, emitir alertas para que os órgãos de prevenção atuem nas áreas.
Balanço da Defesa Civil aponta 48 mortes (47 em São Sebastião e uma em Ubatuba). Mais de 50 pessoas continuam desaparecidas.
Veja a cronologia do desastre:
Quinta-feira (16)
- Segundo o diretor do Cemaden, dois dias antes da tragédia, foi enviado um alerta ao governo federal e a Defesa Civil do estado de São Paulo sobre o risco de desastre.
- O ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, confirmou a informação. O estado, por sua vez, diz que repassou o alerta ao município de São Sebastião.
Sexta-feira (17)
- 0h52: A Defesa Civil do estado de São Paulo enviou o primeiro alerta por SMS no celular de 34 mil pessoas cadastradas em seu sistema no Litoral Norte e região. Segundo o IBGE, a região tem cerca de 288 mil habitantes. A mensagem, porém, cita apenas “chuva isolada”.
- Manhã de sexta: O Cemaden acionou o Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad), do governo federal, para uma reunião conjunta com a Casa Militar de São Paulo, que é responsável pela Defesa Civil estadual.
- segundo o presidente do Cemaden, foi entregue uma lista aos governos federal e estadual com todas as áreas em risco no Litoral Norte, incluindo a Vila do Sahy.
Sábado (18)
- De sábado até domingo, o Cemaden emitiu aos órgãos de prevenção seis alertas sobre o risco de desastre de chuva e deslizamento de terra no Litoral Norte. Os avisos incluíam São Sebastião e também a Vila do Sahy.
- 12h22: A Defesa Civil do Estado enviou um SMS avisando que a chuva estava se espalhando.
- No sábado à noite, começou a chover bem forte na região.
- 19h28: Um dos alertas do Cemaden avisou sobre o risco hidrológico (de chuva) muito alto.
- 19h49: A Defesa Civil do Estado enviou outro SMS para a população avisando que a chuva estava se espalhando, com ventos e raios.
- 21h27: O Cemaden emitiu um alerta sobre o risco muito alto de movimento de massa (deslizamento de terra).
- Segundo o Cemaden, a classificação de risco muito alto significa que o “desastre vai acontecer”. Ou seja, que haverá deslizamento de terra e inundação.
- 23h: a tempestade já estava bastante intensa, além do limite previsto pela meteorologia. A Defesa Civil municipal tentou chegar até a Vila do Sahy, mas já não havia mais acesso em razão dos deslizamentos de terra.
- 23h13: A Defesa Civil do Estado enviou um SMS dizendo que havia “chuva persistente no Litoral Norte” e alertava para que a população ficasse atenta “a inclinação de muros e a rachaduras” e, se precisasse, saísse do local. Neste momento, porém,não havia abrigo montado pela Defesa Civil ou qualquer orientação para onde a população deveria ir.
Domingo (19)
- Por volta de 2h: as chuvas já estavam bem intensas ecomeçaram os deslizamentos na região do Litoral Norte. Vários pontos já estavam sem energia elétrica e sinal de internet ou celular.
- 3h15: A Defesa Civil do Estado de São Paulo mandou um novo SMS por celular orientando a população a ficar atenta a inclinação de muros e a rachaduras, mas não falava nada sobre o risco de deslizamentos.
- 6h23: Novo SMS da Defesa Civil do Estado de SP falava em chuva, vento e raios e pedia para, “em caso de inclinação diferente dos muros”, sair do local. No entanto, não fazia qualquer menção a deslizamentos.
- Nesse horário, já havia mortos e desaparecidos soterrados.
- 7h04: a Prefeitura de São Sebastião, em uma rede social, publicou um alerta de chuva forte, dizendo que havia “diversos deslizamentos, alagamentos e desabamentos” na cidade.
Sem alerta
Moradores relataram, no entanto, que não foram avisados pela Defesa Civil e que não houve nenhum pedido para que deixassem as casas apesar do risco de deslizamento.
Em nota, a Defesa Civil Estadual disse que o risco foi divulgado na imprensa, nos canais nas redes sociais e em alertas por mensagens de SMS no celular de 34 mil pessoas cadastradas em seu sistema em todo o Litoral Norte. Segundo o IBGE, a região tem cerca de 288 mil habitantes. As mensagens, porém, não dão dimensão do risco.
O g1 questionou o órgão se as medidas foram suficientes e o motivo de, sabendo do risco, não ter evacuado a área, mas não obteve resposta.
Por sua vez, a Defesa Civil da cidade de São Sebastião não fez publicações alertando sobre o risco. Nos canais da prefeitura, não foram publicados os avisos vindos do estado ou do Cemaden.
A reportagem procurou a prefeitura de São Sebastião para esclarecer o motivo de não ter emitido alerta ou mobilizado os moradores e evacuado a área antes do deslizamento, mas não obteve resposta.
O g1 apurou com uma fonte que a decisão de não divulgar o comunicado seria pelo risco de afastar o turista da cidade no carnaval.
A reportagem apurou que a primeira vez que a Defesa Civil esteve no local foi por volta das 11h, mas a área não tinha mais acesso, porque os deslizamentos já começavam a bloquear ruas e avenidas.
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Deslizamento em São Sebastião — Foto: Amanda Perobelli/Reuters
Tragédia sem aviso
O risco emitido pelo Cemaden no fim de semana era classificado como “muito alto”, o que significa a iminência de um desastre.
A região do Litoral Norte, assim como todo o estado de São Paulo, não tem sirenes nas áreas de risco que podem avisar as pessoas para evacuar a área. Com isso, a população de São Sebastião e, especificamente, da Vila do Sahy, dependiam do aviso da Defesa Civil municipal e estadual.
Os moradores relatam que não receberam qualquer alerta para deixar suas casas ou que avisassem de um risco de desastre. Alguns confirmaram ter recebido um aviso, mas de uma chuva menor do que a que ocorreu.
- No site e redes sociais da prefeitura, que é responsável pela Defesa Civil municipal, não foi feita qualquer publicação com o aviso de risco. A última mensagem sobre chuva havia sido no dia 15 de fevereiro, antes do alerta de risco do Cemaden, apenas com uma foto e contatos da Defesa Civil.
A tragédia aconteceu no feriado de Carnaval, um dos períodos mais movimentados para o turismo. De acordo com balanços divulgados pela prefeitura de São Sebastião, eram esperadas 500 mil pessoas para os quatro dias.
O único aviso sobre a chuva foi feito nos canais da Defesa Civil Estadual, pela rede social e site, na quinta-feira (16). N
No dia da tragédia, madrugada de domingo (19), a ferramenta de SMS da Defesa Civil – que alerta pessoas cadastradas sobre riscos nas suas regiões, com base no CEP – enviou mensagens.
Segundo o órgão, foram emitidos 14 alertas pela ferramenta, mas para um número de 34 mil pessoas em todo o litoral — pouco mais de 10% da população da região, que tem 288 mil habitantes.
As mensagens tinham o seguinte texto: “Chuva persiste no Litoral Norte. Tem vento e raios. Atinge cidades vizinhas. Em caso de inclinação diferente dos muros, saia do local”.
A chuva deixou as áreas de risco sem energia e várias delas sem sinal de telefonia, o que mostrou ineficaz a forma de alerta.
Além disso, não havia nenhum abrigo montado pelo órgão de defesa ou prefeitura para o qual as pessoas pudessem recorrer, deixando a área de risco.
Governos reconhecem problema com o alerta
Após a tragédia, tanto o governo federal quanto o estadual e o municipal têm sido cobrados sobre a forma como as pessoas foram avisadas, já que houve uma série de alertas e os órgãos de proteção sabiam do risco.
Em entrevista à Globo na segunda-feira (20) o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, disse que é preciso ter ferramentas eficazes de alerta.
“Essa tragédia nos deixa também várias lições aprendidas e a gente vai estar sempre aperfeiçoando. A maneira de fazer o alerta, a maneira de se comunicar com as pessoas”, disse.
CONTEÚDO G1