Decisão da justiça atende pedidos do MPT-MS e impõe 35 obrigações à concessionária ferroviária, após constatação de jornadas exaustivas, condições laborais degradantes e desrespeito à dignidade dos empregados
A empresa Rumo Malha Oeste S.A., pertencente ao grupo Rumo Logística – maior operador de infraestrutura ferroviária independente do Brasil e que conecta importantes centros produtores de grãos a portos brasileiros – foi condenada pela 3ª Vara do Trabalho de Campo Grande ao cumprimento de 35 obrigações de fazer e de não fazer após inobservância de várias normas trabalhistas.
A sentença atende a pedidos formulados pelo Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul (MPT-MS), em ação movida depois da constatação de condições de labor degradantes, jornadas excessivas, desrespeito às normas ambientais de saúde e segurança do trabalho, ausência de intervalo para repouso, alimentação e satisfação de necessidades fisiológicas, além da violação aos direitos da personalidade e depreciação da dignidade dos trabalhadores da Rumo Malha Oeste.
As irregularidades praticadas pela concessionária classificada com Grau de Risco 3 foram reafirmadas, durante vistorias realizadas entre 2016 e 2017, e apontadas em laudos específicos elaborados por peritos em Engenharia de Segurança do Trabalho do MPT-MS.
Graves riscos à saúde física e mental dos trabalhadores
Na ação civil pública ajuizada pelo MPT-MS, em 2014, a então procuradora do Trabalho Simone Beatriz Assis de Rezende enfatizou que contra o grupo econômico Rumo Logística pendem centenas de autuações pelo Ministério do Trabalho e Emprego, investigações e procedimentos administrativos conduzidos pelo MPT, reclamatórias trabalhistas propostas por trabalhadores e por entidade sindical, além de decisões judiciais em primeira e segunda instâncias.
“Uma só atividade econômica, gerida por um grupo econômico, tem movido o aparato da Justiça em todo o país, causando incalculável ônus financeiro aos cofres públicos, além do próprio custo social”, sustentou Rezende.
À época do ajuizamento da ação, tramitavam no MPT-MS sete procedimentos investigatórios em face das empresas daquele grupo econômico, que retratavam diversas irregularidades trabalhistas, envolvendo controle de ponto, duração da jornada de trabalho, intervalos interjornadas e condições estruturais dos alojamentos.
Em depoimento tomado na presença de representante sindical da categoria profissional, um maquinista que prestava serviços na cidade de Corumbá relatou que, apesar de constar 8 horas em sua jornada diária, sempre trabalhou de 12 a 15 horas por dia. Ele também narrou que não fazia intervalo para refeição nem descanso, precisando se alimentar dentro do trem em movimento. Ainda segundo o trabalhador, maquinistas e auxiliares da Rumo Malha Oeste tinham que se dirigir a uma área com mato para fazer suas necessidades fisiológicas.
Já outro maquinista de Corumbá contou que a concessionária passou a disseminar a ideia de que “é melhor andar só que mal acompanhado” e assim levar à aceitação, por parte dos seus empregados, do sistema de monocondução, em que há um único trabalhador em cada locomotiva. Ainda segundo o maquinista, não havia permissão para que eles utilizassem as instalações sanitárias do “’pernoite’, pois as suas roupas e calçados ficam muito sujos diante do minério de ferro transportado”.
Uma terceira testemunha ouvida pelo MPT-MS alegou que, em virtude de não poder parar o trem, tinha que segurar as necessidades fisiológicas por até 8 horas. Quanto a urinar, ele fazia pela janela da locomotiva, enquanto apertava o dispositivo “homem morto” com o pé.
No decorrer da ação, a procuradora Simone Rezende traçou o contexto histórico de um grave acidente envolvendo duas composições da Rumo Malha Oeste, que utilizavam o sistema de monocondução e colidiram frontalmente. O episódio ocorreu em agosto de 2012, por volta das 4h30m, próximo ao pátio ferroviário localizado em Morangas, Chapadão do Sul.
“A monocondução, as jornadas excessivas, a ausência de concessão do intervalo legal para repouso, alimentação e para as próprias necessidades fisiológicas são fatores que agravam ainda mais as condições insalubres, antiergonômicas, enfim, indignas a que se submetem os maquinistas das rés”, concluiu Rezende.
Abrangência territorial e responsabilidades
Ao analisar os autos, o juiz Marco Antonio de Freitas destacou que a sentença alcança os empregados da empresa Rumo Malha Oeste que trabalham ao longo da malha férrea explorada entre os estados de Mato Grosso do Sul e São Paulo, no trecho que passa pelas cidades de Corumbá a Mairinque, respectivamente.
Freitas acrescentou que, embora outras três empresas do grupo Rumo Logística – e que também integram o polo passivo do processo – não se sujeitem à jurisdição da 3ª Vara do Trabalho de Campo Grande, elas podem vir a ser responsabilizadas em razão dos danos causados pela Rumo Malha Oeste, já que compõem o conglomerado econômico.
“Desse modo, embora este Juízo não possa condenar a 2ª, 3ª e 4ª rés quanto à exploração das malhas ferroviárias que são por elas exploradas, uma vez que não estão sob a jurisdição deste Juízo, não há como negar a possibilidade de serem responsabilizadas por eventual ilicitude ambiental, administrativa e trabalhista praticada diretamente pela 1ª ré, por pertencerem ao mesmo grupo econômico”, sublinhou o magistrado.
A decisão ainda considerou que, embora o trecho de concessão da Rumo Malha Oeste se estenda para além da região geográfica de jurisdição da 3ª Vara do Trabalho de Campo Grande, a competência se mede pela extensão da área atingida pelos danos decorrentes da exploração direta do transporte ferroviário. Neste caso, restou comprovada a concorrência da jurisdição de mais de uma Vara do Trabalho, sendo prevento à 3ª Vara do Trabalho de Campo Grande, onde a ação foi distribuída pela primeira vez.
Condições das locomotivas e alojamentos
Ao longo dos mais de 10 anos de tramitação do processo movido pelo MPT-MS, constatou-se a inexistência de banheiro nas locomotivas. A perícia judicial, durante vistorias realizadas em algumas das locomotivas e composições férreas em uso pela Rumo, concluiu que nenhuma daquelas utilizadas no trecho Corumbá-Porto Esperança possuía banheiro. Além disso, os autos de linha que transitam ao longo de todo o tronco Bauru/SP-Corumbá/MS também não tinham banheiro.
“A existência de instalações sanitárias no ambiente de trabalho é uma condição mínima de dignidade sedimentada na jurisprudência e na doutrina. Não se pode exigir do trabalhador que ele satisfaça suas necessidades fisiológicas no mato ou em locais que não sejam minimamente adequados para isso em razão da modalidade da prestação de serviços”, observou o juiz Marco Antonio de Freitas.
Por meio de relatórios gerados com as inspeções dos peritos do MPT-MS e de laudo produzido pela perícia judicial, ficou demonstrado que, por exemplo, no alojamento da empresa localizado em Chapadão do Sul o trajeto entre o local de embarque na locomotiva e o estabelecimento era escuro, sem iluminação, sujo, com mato alto, com passagem entre dormentes, buracos e trilhos jogados. Também restou provado que a Rumo Malha Oeste possuía máquinas em que o sistema de transmissão de força estava desprotegido, o que poderia lesionar trabalhador pelo contato com ele.
Na ação, o MPT-MS ainda sustentou que, em inspeções, foi verificada inadequação dos assentos dos postos de trabalho, incluindo os assentos das locomotivas e demais composições ferroviárias, que não estavam adaptados às normas de ergonomia.
Conforme a sentença, as multas, no caso de descumprimento das obrigações de fazer e de não fazer, podem chegar a R$ 100 mil por mês. A Justiça determinou o prazo de 90 dias para que a empresa implemente as obrigações fixadas na decisão, a contar da sua intimação após o trânsito em julgado.
Além disso, a empresa Rumo Malha Oeste S.A. foi condenada ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 12 milhões de reais, cuja destinação será definida na fase de execução da sentença. Para a fixação desse montante, o juiz considerou elementos objetivos como a situação do grupo econômico integrado pela ré, cujo capital social é superior a R$ 8 bilhões; o conhecimento da ré quanto à existência das condições de ilegalidade constatadas por longos anos e a recusa pela assinatura de acordo extrajudicial proposto pelo MPT-MS desde as primeiras inspeções.
Em novembro de 2023, a empresa Rumo Malha Oeste S.A. foi condenada, também pela 3ª Vara do Trabalho de Campo Grande, ao cumprimento de um conjunto de obrigações laborais e ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 2 milhões. Entre as determinações impostas pela sentença, estão: concessão regular dos intervalos intrajornada e interjornada; registro correto dos horários de trabalho e descanso; observância integral das normas de segurança na operação e manutenção de máquinas; realização de exames médicos periódicos para trabalhadores expostos a riscos, e respeito aos limites legais de jornada e de prorrogação de trabalho. Atualmente, o processo tramita no Tribunal Superior do Trabalho.
Fonte e Foto: Assessoria de Comunicação/PRT24